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Bem no alto
Por entre o escuro dos penhascos
No recorte entre a terra
E o preto do céu
Na montanha dos tempos gastos
Mais negros que breu
Tricotam os relâmpagos
Alas para o atroar
Descarregando altas voltagens
No ressoar das trombetas imperiais.
Rebolam pedregulhos
Nas nuvens condensadas
Feitas em frangalhos
Antecipam cenários diluviais
Do rigoroso Inverno
Com tamanha ventania
Caos, desgoverno
Chocam prenhas nuvens
No topo da serrania.
Grossos pingos amnióticos
Sinais claros
De momentos fantásticos
Romperam-se-lhe as águas
Nestes caminhos erráticos
E escorrem
Por entre os matagais
Enxurradas contínuas
A acalmia instalada
Nuvens que se dissipam
Ficam para trás
As paredes frias da noite
Despertar da alvorada
Não é vento que se veja
Nem que por aí, alguém se afoite
Mas é algo que areja
É aragem que avisa
Vindo do lado do vento norte
Musa que chega com a brisa
E se agarra a tal sorte
E se acoita
Na face do monte
Virada a sul
Junto à linha do horizonte
Eis que a vida pare
O princípio duma existência
Primavera assumida
Preambulo dum novo ciclo
Na madrugada milenar
Primeira tarefa cumprida
Neste anfiteatro, hemiciclo
Qual jardim do paraíso
A origem a desabrochar
No silêncio, de improviso.
Frontispícios dos tufos
De erva rasteira
As abelhas cavalgam a montanha
E o pólen
Recolhem, depositam
A um ritmo desconcertante
Que parece bebedeira
A sofreguidão em que militam.
Esvoaçam borboletas
Culminando
Romper da aurora
Pardais que debicam a bicharada
E pedaços de plantas soltos
Flores que pintam o quadro edílico
De todas as cores
Encosta fora
Já deixada a alvorada
Silêncios que varrem a imensidão
De quimeras embalados
Murmuram ao ouvido das pedras
Que serpenteiam
Os socalcos desventrados.
Pingo a pingo
Escorrendo
Engrossam as lágrimas espremidas
Das rochas e dos baldios
Descem aos poucos, a encosta
Veem do alto, foragidos
Fugidios
Em jeito de aposta
Formando balanço
Das gotas siamesas
Gemidos da água, acumulam-se
Em fino regato
Coesas
Ora a um lado, ora a outro
Em disforme aparato
Rasgam o caminho para o vale
E se precipitam no riacho
Não desce por decreto
Ou por despacho
Gravidade natureza
O que os impele
Encosta abaixo.
Escorrem sôfregos, os sinais
Da Primavera da vida
Precipitam-se na ânsia de aprender
Numa sequência corrida
Conquistas triunfais
Da vontade de viver.
Ao fundo
Lá bem ao fundo
E correndo para mais baixo
Lá segue traçando outras nervuras
No início doutro mundo
Dando as mãos
A outros seus parceiros
Seguem por margens seguras
Até que se junte ao senhor rio
Que os absorve
E embala
Por entre desfiladeiros.
Na senda da garganta do vale
Entre duas encostas simétricas
Brilho nos olhos
De vaidade
Por ver o seu trabalho de séculos
De milénios
Escava corajosa
Aquela montanha
Roubando-lhe todos os detritos
Rasgando-lhe aquela rocha
Que transporta
Calhau rolado
Brita a brita
Triturando em crescendo
Tudo arrasta
Em turbilhão
Rebolando
Moendo.
Fonte esta de pujança
É esta a flor da vida
São tempos de mudança
Verão de escala assumida
No auge da energia
Na forma, na cadência
Acelerações desenfreadas
No esforço, na resistência
Em tresloucada sinfonia.
E no amago deste frenesim
Grande rebuliço
Surge o convite ao acalmar
Da guerra desenfreada
Da descida
Espraia-se pela vastidão do vale
E o leva a saborear aquele sol
Que até ali
Tinha passado despercebido
Sem quaisquer burburinhos
Tal a sofreguidão
De conhecer novos caminhos.
Instala-se o Outono
Desta breve passagem
De um ciclo infernal
Neste soprar de leve aragem
Etapa equilibrada, racional
Comedida na medida
E no formal
Sustentada no sabor
É a lei de partida
Para novo impulso
Trampolim para novo fulgor.
Tempo de espreguiçar
Fruindo a acalmia
Encaminha-se quase adormecida
Saboreando a paisagem
Buscando a imensidão desse mar
De recurso sem par
Desde o fundo até à margem
Fonte de deliciosos prazeres
Do corpo e da mente
E no seu leito adormece
Os grãos de areia
Arredondados
Pela sua fábrica abrasiva
Fabrico em série de drageia.
E lá ao fundo
Logo acima das profundezas
Eis que esse líquido
Artes mágicas desta enormidade
Vapor se torna
E se empolga na vertical
Despedindo-se desta azáfama
E do alto das nuvens adensadas
Olha a distância percorrida
Até que se decida
A nova viagem
Sempre repetida
Estonteante.
Viagem duma vida
Com o sal por tempero
Saboreada sentida
Medida certa ou exagero
Temperada a cada gosto
Com a frescura de Abril
E o calor de Agosto
O Setembro bem febril
Da uva para o mosto
Com o frio em Dezembro
Um sorriso em cada rosto
Pelo prazer de cumprir
Da vida ao sol-posto
O anseio de prosseguir.
Não é fado
Não é sina
É caminho trilhado
Em cada viela ou surriba
Da urbe ou citadina
De cada um o legado
Para lá desta colina.
Em cada pensamento uma gota
Por cada palavra um riacho
Em cada poema um ribeiro
Por cada vida um rio
O que vai e o que fica
Em cada mente um viveiro
de ideais, sentimentos
Em constante desafio
O que vai, não vai
Esfuma-se
E o que fica
Se valeu nada
A cada um o que norteia
Acrescentar um grão de areia
Na vastidão do areal
Ou a meio da enseada
Assim se cumpre o desígnio
Dos nascidos no vendaval
Os filhos da madrugada
LUMAVITO
12/04/2014