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Se eu tivesse a certeza de quem sou
Talvez me pudesse conhecer um pouco mais
E saber porque ando por aqui
E para perceber o que posso vir a ser
Pois o acaso apenas conduz a nenhures
Mas não posso querer ser um outro eu
Só para me sentir cómodo
E não ser esse eu
Que não sei quem é
E o desconhecido é o prelúdio do abismo
Sei que a luta é a de um rio a desbravar caminho
E sempre que acaba o ciclo
A mesma água volta a calcorrear o mesmo percurso
E o sentimento é de quem não reúne simpatias
Certamente até de incompreendido
Mas a crença por algo mais superior
Retira-nos até a lucidez
Nos bancos de jardim do meu quarto
Sentam-se esse outro eu
Que desconheço
Com os seus comparsas de rotina
E todos desfilam silenciosos na sombra
Incluindo esse eu
Que olha em redor
E vê através da janela
Os transeuntes que passam céleres pela rua
Apinhada de coisas tão irreais
Como se a realidade fosse uma verdade única
E se a verdade se transformasse
Numa única e pura realidade
A verdade é às vezes real
Porque a ficção é um amontoado
De imagens que queremos engolir
Mas não faz da realidade a única verdade a ingerir
Cheira a febris e pútridas conversas de faz de conta
Latejam realidades arrepiantes e assustadoras
E o amargo que regela a garganta
E a torna seca como rocha
Como se trampa deslizasse até ao estômago
Verdadeiramente possível mas improvável
É o sonho do mundo com um pensamento lúcido
Transparente lógico e emotivo
Em cada passo de cada vagabundo
Solta-se a amarra duma palavra muda
Trémula e prenha de vácuo
E o diálogo que se suporia acolhedor e envolvente
É uma vozearia de sons esmagados pelos tacões
E um vazio de sentido e senso
Uma algazarra de absurdos
Um matraquear de monossílabos metálicos constantes
E a confusão gerada naquela ordem
Que ninguém conhece
Nem como funciona
As palavras resvalam húmidas
Como as paredes das cavernas
E alojam-se como lama
No chão escorregadio
Deste charco
Labirinto imundo
Que é a urbanidade selvagem e impiedosa
E o meu eu transforma-se no umbigo do mundo
Realisticamente possível
Mas dramaticamente improvável
É o pensamento se metamorfosear
Na realidade mais lírica e louca
De que o humano se consegue desprender
E continuar a lutar por ideais
E só por ideais
Apenas assistido pela metafísica
Ambígua e pobre
Como se Lázaro uma força divina
Que nos mantém ingénuos e puros
Matematicamente possível
Mas vergonhosamente improvável
É qu se cumpra
Que a sorte se pode buscar em qualquer quartilho da roleta
E que ela se queda
Sempre de igual modo do lado da fantasia
Como se o mundo material e físico
Não fosse comandado pelo campo magnético
Que faz parar a bola da sorte
Sempre no mesmo quadrante
Contabilisticamente possível
Mas tristemente improvável
É a justiça que se diz cega
Não levante a venda
Para saber se este eu no banco dos réus
Não é um outro bafejado
Que mereça uma cega ajudinha
Por ser “gente respeitável e boa”
À luz da justiça criada pelo rasteiro humano
Irremediavelmente improvável
É este eu sentir
Que vale a pena não se deixar abater
Nesta luta desigual
E no entanto
Continuar a acreditar
Que vale a pena lutar
Pra mudar o imutável mundo manipulado.
LUMAVITO
20170624
CXC
Se há dias, a faina estava intensa, nesta altura, a azáfama do lançar das redes à mesa, e a ânsia por uma boa pescaria, dão o mote a um momento buliçoso e apaixonante. Os olhos do pescador brilham, como brilha o reflexo do sol nas águas calmas,e o vento está ausente. Talvez a sobremesa seja uma iguaria amiga da diabetes. Cheiro a sal e mar são o digestivo apaziguador. A seguir, o sossego ajudará a fechar este dia calorento, mas deveras saboroso.
Em plena sala se faz ao mar
A faina é dura
Mas não pode parar
Não dão descanso ao pescador
A família e o dever
Cavalga uma brisa marinha
Pelas narinas o seu odor
Se à rede não vem sardinha
Não há pão na mesa pra comer
LUMAVITO
20170617
CLXXXIX