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O pincel rasga o coração do pintor
Feito refém da corda noite
E dos sons dos pássaros
Que esquartejam os tons da tela
Num tempo sem réstia de tempo
Pra registar as sílabas do desespero
Aprisionado pelo olhar
Ao mesmo tempo
Libertam-se fumos espessos
A música instrumento
Condensação de vapores
Na expressão revolta da paisagem
Só as pedras não sentem o momento
A cumplicidade é um desejo
O pincel é o ensejo
Feito ansiedade
Catapulta um grito de revolta
Rascunho do sentimento à solta
LUMAVITO
CLXXIII
20160304
Quero brincar e rebolar
Despir-me da imagem e do conceito
E ser eu sem preconceito
Quero ser livre e imaginar
Que o mundo não tem defeito
Saltar o muro da vulgaridade
Saborear o sumo da irreverência
Sentar-me no antípoda da aparência
Brincar ao jogo da igualdade
Se me sujar paciência
Chapinhar descalço na poça da estrada
Estornicar o aperaltado passeante
Sentir-me à solta por um instante
E por uma vez não acontecer nada
Que não seja uma piada
E com nada de humilhante
Saber brincar até bem tarde
Fazendo da vida convicção
Problemas de geração não serão
É antes uma chama que arde
E queima desmedida ambição
A quem pelo fácil aguarde
LUMAVITO
CLXXII
20160129
Recomeça-se a casa todos os dias
E o caminho secreto do vento
Descobre novos cantos de aconchego
Sela-se a porta da entrada
O sonho escureceu
E o despertar repentino no desconhecido
A derme das palavras
Cobre as paredes de nostalgia
As sombras ficam pra trás
A azáfama toma conta
Da sofreguidão do momento
Salpicado pela fadiga
De uma vida nómada
O tempo o discurso e o corpo
Plantam raízes
Num dia mais além
LUMAVITO
CLXXI
20160505
Armas que são palavras
E palavras que são projéteis
Elementos que se vestem de projeto
Da paz pelo núcleo das palavras
Na forja das palavras marteladas em concerto
Com elas cinicamente se faz a guerra
Com palavras a amizade prolifera
Com o sol das palavras floresce a árvore
E o fruto verde em crescimento
O fruto maduro que se colhe
Palavra é fruto podre que cai ao chão
E se rejeita à hora da refeição
Palavra é vida temperada com amargo
E o lado doce da existência
Palavra é bomba que estoira a nossos pés
E perfume que se espalha de lés a lés
Manada desgarrada à solta
E chilrear da passarada à nossa volta
Palavra é euforia e lamento
É ser e expressão do sentimento
Palavra é sorrir e chorar de frustração
Palavra é razão e o ensejo
De viver nas malhas do desejo
Ignorando as algemas da ilusão
Palavra é mentira frente ao espelho
Não aceitando a imagem da verdade
Palavra é caracter de escritura
Ao sabor das notas da partitura
Palavra é honra e faz de conta
Que encarna a dor que nos afronta
Palavra embaixador dos sentidos
E o porta voz de tempos idos
Palavras que são atos
E as suas omissões
Com elas se enunciam entraves
E com elas chegam as soluções
Linguagem universo de palavras
Ou babilónia da expressão
Palavras que são calor e são o frio
Sons balbuciados ao desvario
Palavras são a brisa da saudade
A face vertical da dignidade
Palavras usadas com razão
Palavra é prémio e castigo
É conforto vindo de amigo
Com elas se percorre o vale
Vivendo nas palavras o silêncio
Provando do mel
E do fel
Palavra confirmação e prenúncio
Palavra património imaterial
Com palavras da terra se nasce
Com elas a morte se arremessa
Com elas naturalmente se morre
Sem mais palavra
E sem pressa
LUMAVITO
20160114
CLXIII
Manhã cedo
Extensa fila
Paira no ar
O vermelho dominante
E um ligeiro bruar
Sem cessar um instante:
“a equipa B jogou desfalcada”
“se calhar tanto esforço pra nada”
“até os comemos”
Paixão coletiva
E não fazem por menos
Esvoaçam medos e sonhos
Quando tudo isto
Por lugar de eleição
No último jogo
Sentimentos tamanhos
Ver o glorioso “campeão”
Homenagem ao “pantera”
Em dia de primavera.
LUMAVITO
CLXXI
20160504
O mar agitado
As vagas alterosas
Ameaçadoras
A barcaça agitada
Em constante sobressalto
O casco balouça
Como face de pugilista atingido
Só parando nas cordas do ringue
E o sol não brilha
O vento sopra de raiva
E dispara a água salpicada
Pela aresta da quilha
Dentes cerrados
Espírito de amargura
Corpo rígido curvado
Como viga pressionada
Pelo peso do telhado
E dá sinais de rotura
A pescaria deixou de importar
Em porto de abrigo
Os danos serão reparados
Urge resistir
E chegar a terra
LUMAVITO
CLXIX
20160503