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Intitula-se de amizade
O fiscal das finanças
Borra os lábios
Com suavidade
Pinta as unhas
Saia subida
Vai ao cabeleireiro
Passeia-se na avenida
Modo sorrateiro
Senta-se na esplanada
Que atraente
De perna traçada
Desorienta tanta gente
Passa o palerma
Arregala o olho
Morde o isco
Quando fugia ao fisco
Declara-se apaixonado
Percebe um sorriso
Cai na artimanha
É espremido
Na teia da aranha
LUMAVITO
10/12/2014
Conheceu Leonor a cidade
Tinha ela dez anitos
Que fizeram memória
Em singela história
Três dias em Abril
Na ingénua cabecita
Vinda do meio pastoril
Ouviu o pai Tóino falar
Que matariam um borrego
Ao estomago aconchego
Cozer pão alvo e broa
Para levar aos primos
Que vivem em Lisboa
No dia certo Ou antes
Certa noite Quatro e meia
A mãe Rosa chamou Leonor
Julgava a mãe Calma Sem alarido
Nônô em sono seguro
Só agora interrompido
Mal sabia que a fedelha
Nem olho tinha pregado
Tal a ansia no olhar
E a pulga na orelha
Deu um salto na cama
Três cabazes cheios Uma alcofa forrada
Com quatro dúzias de ovos Uma lata de azeite
Um garrafão de palheto
Coisa que os alfacinhas Já esqueceram
Uma galinha de pés atados
Um saco de batatas Uma seira de couves
Queijos apimentados.
Queria rápido sair da aldeia
E lá foram de carroça
À luz da candeia
Até à estação do comboio
Por cima de qualquer poça.
Tudo o que no escuro Repousa
Na memória Registada
As rodas grandes Em metal duro
Degraus de chapa perfurada
Onde o pé pousa
Janelas a todo o correr
Mais o apetite afiava
Árvores águas sítios Casas Pátios
Corriam lá fora Sempre ao contrário
Uma figura crispada Tom antipático
Voz abagaçada “O seu bilhete!”
O nascer do sol Ao fundo da paisagem
E o som metálico veloz
Intercalado “Com paragem
Em todas as estações e apeadeiros”
Cabeça de fora, leve aragem
Tom elevado na voz
Ver apregoar aguadeiros.
Quando já refeita no ardor
De tantas coisas novas E se acomodava
No banco rijo Mas encantador
Tudo o era Tudo espantava
A minhoca deslizante
Abranda e imobiliza-se Após viagem fatigante
“Na estação de santa Apolónia
Vindo na linha do norte Parado na linha numero dois”
Em profunda babilónia.
Portas escancaradas
Pai Tóino desce os degraus Para a gare da estação
Mãe Rosa entrega-lhe os volumes
Um a um até ao último O cesto dos legumes
A galinha de pés atados No meio da confusão
Mais morta que viva No piso da composição
Depositou A sua marca substantiva.
Pai Tóino tira a boina
Indicador apontado A contar a mercadoria
A mão escorrega da meia careca
Em sinal de satisfação
Tudo chegou inteiro Incluindo o garrafão.
Largos minutos até sair
Fora do terminal Santa Apolónia
Sem que se queixasse Qualquer dentista
Sua padroeira
Sem que do facto Haja realce
Foram os volumes saindo Entre tanta canseira.
Cheira a mar Odor intenso do Tejo
Agitação desconcertante
Assusta ver
Tanto carro Tanta gente
Tudo em tamanho E quantidade
Forma inusitada
A garota espantada
Repleta de encantos
Frente a tamanho Reboliço
Olhar insubmisso
A precaver maiores espantos
Face de sorriso retraído
Sem se atrever a dar passo
Que não fosse medido.
Vindo do lado dos cafés
Mais tasca para alguns
Ali bem perto do terminal
Se aguardada por uns
Surpresa de corar da Lurditas
Surge figura que berra
“a fedelha está grande,
É o que fazem as couves lá da terra”.
“E os tomates também”
Riposta o pai
Para continuar a graçola
“Ó Toino, tás gordo
Fazem bem os ares Da aldeola”
“A Rosa é que continua um palito
Não te canses, mulher
Tens de andar mais no burrito”.
Do entusiasmo Voz esganiçada
O Jaquim Primo do Manel
Vai para dezanove anos
Motorista da CARRIS
A boiar dentro da farda
Dando fim à palheta
Vai pegando nos volumes
A caminho da caminheta
Mesmo ao jeito
De quem levanta barris.
Quem diria Pensou Lurditas
Que tinha primo famoso
Em Lisboa Conhece a cidade por inteiro
Mal sonha ela Que as tascas do melhor tinto
Em cada rua ou bairro
São certos no seu roteiro.
Até à casa do primo Á baila
Vieram os assuntos importantes
A ponte nova Para o lado de Almada
O metropolitano
Que passa Por baixo da avenida
Do Salazar A queda da cadeira
Entretanto desmentida
O Eusébio, o Benfica
O azar De quem de lá da terra
Tentou passar a fronteira.
À pequerrucha Nada chegou
A não ser o que, na rua
Era pessoa, carro, montras
Ruas sem lama
Candeeiros a tocar o céu
Jardins e pontes
Terras que ninguém amanha
Prédios aos montes
Estradas que passam Por cima doutras
Coisa estranha.
Compacto de sentimentos
Entusiasmo esfuziante
Esquecendo a fome Mais que muita
E da amarela
Apesar da bucha matinal
Trincada junto à janela
Do comboio trepidante
A caminho da capital.
Alto toucado Que encanto
À chegada, a prima Querida
Tinha beijos Muitos beijos
E espanto
Pela miúda tão crescida.
Pronto já tinha
Um arroz de salsichas E pimentos
Coisa fina Requintada
Com faca e garfo
Etiquetas a rodos
E imagine-se
Guardanapo para cada um
Copos finos para todos.
“Deixa lá as etiquetas
Lá por À mesa teres
Garrafa de rosê
Nada há Como o garrafão
Do tinto lá da terra”
De concreto
Vindo dos socalcos da serra
No centro da mesa
Do palhinhas Saiu palheto.
Festança Feita de sorrisos
Piadolas Sarcasmo
Larachas Entusiasmo
Montada de improvisos
Beijinhos à garota
Corada na face
“Esperta a magana
Parabéns pois ficou bem
No exame da quarta classe”.
As ovelhas esperam
O cão como estará
Regresso é no domingo
Após lauto almoço
Recheado de conversas
E lérias
Bem regado Ao lado dela
Desfeito o borrego Ensopado
Depois da missa Na capela
Da senhora da agrela.
Volta à tona no tempo
A história Da miúda pastora
Jovenzita Menstruada
Já parecia senhora
Volvidos três anos Espigada
Das badanas Guardadora
Três anos
De diálogo com o gado
E os calhaus mudos
Triste fado
Depois de cartas Telefonemas
O caminho lhe ditaram
Para a lide doméstica
Socialmente dominante
Continuar estudos
Para as ovelhas Irrelevante
Já que são elas
O valor importante.
Ansia crescente Inchada pelo tempo
Viver em Lisboa Primeira paixão
Da princesa da serra Rainha da solidão
Errante À toa
Ao sabor da chuva do vento
Pela serrania
Cansada de apenas cantar
Ingrata monotonia.
Dito lhe foi Que iria para Lisboa
Já que a prima
Por quem a Lurditas Tem muita estima
Conhece da igreja
Uns senhores distintos
Não falta o dinheiro
Ouviu falar de “Senhor engenheiro”
Gente fina Respeitada
Que pra criada reservou
Um mero vão de escada.
Aprender educação
Ter mãos finas
Usar de muito zelo Bons modos
Princípios Formação
O cabelo Cortar
Com a senhora dona
O preço da estadia
Trabalhar em maratona
Todo o dia
Comer E calar
A troco de trinta chavos
Que o pai Lá na terra
Faria por guardar.
Ainda a moçoila sonhava
Estranho ar Se foi instalando
Vazio virou amargo
Corredor canto recanto
Na voz o embargo
No estomago Novelo
Instalado Desencanto
Das ovelhas Longe o balido
A serra As encostas
O olhar do cão Certamente sofrido.
Já o dia ia alto
Crescia
A pressão
“vai buscar” “limpa” “arruma”
“Assim não”
O mau estar que sofria
Se pensar coisa nenhuma
Garganta seca
O suor escorre da testa
Desnorteada Perdida
Entra na biblioteca
Coisa imensa Medonha
Sem janela nem fresta
Sem luz Aturdida.
As noites Inferno
Mal dormidas Pesadelo
Engrossam marcas De dor
No rigor Do inverno
Os pés Um gelo
Só o espírito serrano Sofredor
A incita ao duelo.
Afinal
A cidade com tanta luz
Sol radiante
Cheia de orgulhos Em cada instante
Tamanhas alegrias
Também tem Cantos medonhos
Casas frias Recantos gelados
Tristeza nos olhos
Miúdos maltratados
No tempo Novo salto
Bem sofridos quatro anos
Tempo amargo
De carinhos bem falto
Em precária semanal saída
Numa tarde de domingo
Em vez de rumar à casa da prima
Fingindo-se perdida
Molhada que nem um pingo
Da malita sacou alguns escudos
Primeira vez entrou
Na pastelaria da avenida
“A Princesa dos Vagabundos”.
O que pedir Sem saber
Brilho nos olhos Que cheirinho
Tantos bolos
Que pecado de gasto
Um café Um queque fofinho
Doce Tão doce
Ficaria ali nem que fosse
Até às sete da noite
Tal era o apetite.
Num relance cruzou o olhar
Com uma cara picada
Cratera das borbulhas
Ao canto da sala Iluminada
O Joaquim Fagulhas
Frente a uma cerveja
Fita-a espantado
Pára Pestaneja
Com o ar desconcertado.
Uma fuga programada
Certa semana
No rosto Vergonha estampada
Da moça serrana
Numa tarde de domingo
Outros tantos encontros
Os dois
Cada semana Tempo infindo
Depois
Conversas e Planos aos quilómetros.
Após oito horas de trabalho
Na dita pastelaria
Salto de gigante
Nunca sonhados Altos voos
Mal disposta Enjoos
Do que seria
Foi ao doutor especialista
Ainda no ar o tabu
Coisas sem ofensa
É questão de cagança
Chamar Ginecologista
No quarto alugado
Dum apartamento Rés do chão enjaulado
O Joaquim Alto Magro
O mais novo da oficina
Metalúrgico profissional
Após dia infernal
Calça de bombazina
Ar abatido Cansado
Chave à porta
Buscando a Campesina
Beijos Carícias
Qual cansaço
Esfumou-se no abraço
Terno Intenso Prolongado
Delírio de Delícias
Aquele coraçãozito acelerado
Sussurra-lhe algo ao ouvido
Pendurada no pescoço
O Moço Aturdido
Imediato Em alvoroço
Dois saltos Corre à janela
“Escutai… Vou ser pai”
Algazarra que se ouviu
No último piso
Volta atrás Rasgado sorriso
Do tamanho do auto estrada
Olha para ela A tão amada
Companheira de interações
Assim ficaram largos minutos
Recuperando das emoções
Recordam os pais A família
Que antes a triturou
Com eles a quezília
Por ingrata
Três meses antes
Fugiu da casa do engenheiro
E se juntou
Com o serralheiro
Farta do jugo do dinheiro
Que o pai arrecadou.
Para trás Com saudades
A terra As ovelhas
As encostas A serra
Os bois em parelhas
“Farrusco” O seu cão
A mãe Sempre na sombra
Sem liberdade de escolher
Sem direito a opinião
Condição De ser mulher.
Nova vida Nova sorte
Desfrutando novo mundo
Determinada Mais forte
Com o sentimento profundo
Já com um anito
O orgulho do casal O puto Joãozito
LUMAVITO
7/12/2014
Vinte degraus quase a pino
Doze horas corre o domingo
Lisos cabelos longos
Escorrendo as costas
Faces rosadas Distingo
Blusa de losangos
Avental preto Profissional
Que belo aspeto
O olhar na diagonal
Correndo a sala
Quase vazia
Mãos sobrepostas
Sorria.
Cadeiras Quatro
Sentadas As cadeiras
Castanhas Rijas Sem almofadas
Imóveis sossegadas
Olham pela janela cair as beiras.
Quatro que entalam a mesa
Guarda de honra em cada lado
Aos copos grossos cor esmeralda
Frios baços vazios Encristados de
Guardanapo em grinalda Emproado.
Pratos quatro Estacionados
Olham o teto Branco teto
Cristais de plástico
Outrora brilhantes
Candeeiros pendurados
Talheres inox Foscos do uso
Aguardam impávidos
Que uns quaisquer passeantes
Esfomeados
Interrompam caminho errante
Em quietude
Já que ali Sentar se podem
Os utilizem manipulem
À portuguesa o cozido
Arroz de tamboril
Mista grelhada
Tinto do barril
Se vão E os desprezem
E na sala Luz apagada.
Pela janela
Lá fora A tudo indiferente
No aspeto Imponente
No conteúdo Generoso
Tal o fluido produto
Segunda claraboia do aqueduto
Na história Majestoso
Assiste à cristalina água
Correr pelo canal
Onde os lobos são do vale.
LUMAVITO
30/11/2014
Estes últimos seis anos
Apressados bem corridos
Acelerados
Trotineta desenfreada
Atinge velocidade tamanha
Pela rampa da estrada
Desfeita em bocados
Não sou eu nem eu sou
O maluco A descer a ravina
Sou mais a ave de rapina
Da paciência e do tempo
De quem louco
Devorava livros Cópias
Horas Serões
O quarto com papéis aos montões
Exames, práticas testes provas
Sempre posta à prova
Como correu
Ah! Assim assim
Dias volvidos
Bem tristes
Resultado, dezassete
Aprendemos por fim
Que aquele “Ah” Remete
Atropelo negação
É o resultado da insatisfação
Que foi durando
Desde início, sem alívio
Massacre E não sei até quando
Hoje já não é ansia
É pavor O horror
A bordo da embarcação
Todas as pestes Epidemias
Todos os ventos se cruzam
De todos os lados
Pessoal em rebelião
Grandes as tormentas
Os mastros ensopados
As vagas que levam a nau
Rumo ao “Harrison”
Qual Adamastor
Monstro
Condiciona a vocação
Esse incontrolável arrasador
Até que se passe o cabo
Depois Tudo é calmo
Bonança
Mesmo aqui ao meu lado
Se assim não fosse
E outro modo houvesse
De verdade
Não trocava a realidade
Estes tempos não foram fáceis
Para quem está
E quem assiste
Habituados já
Que estamos
A esta pressão que persiste
Nada que não passe
Com uma deliciosa corrida
Junto ao mar
Já mais descontraída
LUMAVITO
19/11/2014
(À Ana Rita)
Quero saber como
E não entendo
Porque Na minha casa
Frente ao espelho
Vejo a porta que dá acesso
À rampa Que dá para o rio
Que corre todos os dias
E sempre para o mesmo lado
Aquela porta está aberta
E quero ir para o rio
Ver passar a água
Transparente Como o espelho
Sempre vinda de cima
Para lá daquela porta
Para além do espelho
Corre a aragem ligeira e suave
Noutro sentido
E o rio corre sempre para baixo.
Não é só imagem
Belisco-me sinto-me
Sorrio, faço caretas
E o rosto
Que está para lá do espelho
Não age nem reage
Mas eu noto que o rosto
Da imagem Também sofre
Como eu
Sofre do mesmo modo
Coma mesma intensidade
Porque não consegue Ir para o rio
Desistiu Voltou pra trás
E está frente a mim
Impotente
Porque a porta que está
Atrás deste rosto
Apesar de aberta
Não o levou junto ao rio
E pergunto-me porquê
Estranha incoerência
Da porta aberta Do lado do rio
E que não conduz à rampa
Que dá para o rio.
Sei que o rio está
Atrás da porta
E o espelho está na minha frente
Toco-lhe Encosto a face
Ele reage
Fica mais baço.
Não sei o que é imaginário
Se o rio que eu sei que existe
Ou a porta que está lá atrás
Ou o espelho que embacia
Este espelho tem uma porta
Que dá para o rio
Para lá da parede Da minha casa
Que tem um espelho
Para cá da porta
Por onde ninguém passa
Sinto-me prisioneiro
Deste espelho
E deste labirinto
Para lá de mim
Até ao outro lado do rio
Que corre Dentro de mim
Brota
Este rio de palavras
Enxurrada De figuras poéticas
Dilúvio de alegorias
Sobe o nível
Extravasa as margens
Estou inundado
Fico à tona A boiar
Para lá do horizonte
No alto mar
Lendo as estrelas
Como palavras
LUMAVITO
18/11/2014
Fechar os olhos
E sonhar
Que o mundo é perfeito
Que o que existe
É amizade
Apetece-me dizer
Que os homens são solidários
Apetece-me cantar
Que as pessoas
Sim, as pessoas
Todas têm todas ótimas intenções
Quero pensar
Não existe maldade
Corria às cegas
Abri os olhos
Travei a corrida
E fiquei triste
Desiludido Não pela minha ilusão
Mas pelo que vejo
Mais parece pesadelo
Como em todos os dias
Mundo frenético a correr
Movimento de atropelo
E que escape quem puder
Desligo o motor de busca do pensar
E o meu sonho pouco mudou
Este mundo
Mas Por ser tão pouco
E sozinho que mais posso fazer
Procuro forças bem fundo
Cerro os olhos como louco
Não desisto de sonhar
LUMAVITO
16/11/2014
No teu retrato
Vivo a saudade
Tu que
Chova neve
Ou em tempo de bonança
Estás sempre presente
No teu retrato
Nos teus olhos
Vejo o teu sorriso
E sei
O que te vai na mente
No teu retrato
Na tua face
O teu alento
Está patente.
Naquelas coisas que no tempo
Nos apetece diluir
Aos setenta foste viajar
Para bem longe
Procurei-te em nenhures
Não te encontrei
E mesmo que nos procures
Não nos vais encontrar
A não ser daqui a uns tempos
Não recuamos um passo
A esses momentos
E então
Daremos novo abraço
De início
Sentimos isso ao jantar
Já que nos habituaste
Que o dia foi feito
Para trabalhar
E crescemos
Reunidos ao início da noite
Mas lá porque em oitenta e sete
Foste embora
Tu estás aqui
Eu sinto
Talvez a brisa o sopre
Em oitenta e sete
Foi um ”até sempre”
Capto o teu odor
Escuto o teu respirar
Envolvo-me em conversas
Contigo
De longa data amigo
A tua sabedoria
Quero beber
Anoto os teus conselhos
Aproveito o teu saber
Homem dos sete ofícios
Não abarca a dedicação
Já que
Parco em palavras
És homem de ação.
És de profissão
Cantoneiro
Agricultor
Cozinheiro
És canalizador
Enfermeiro
Vedor
Negociante
És pastor
Pedreiro
Nadador salvador
E não viajou como tu
Entre nós
Testemunho verdadeiro
Mas és muito mais
Tu és o rio e és a ponte
És a fome e o alimento
És a água e és a fonte
És a sorte e o portento
És a noite e o dia
És o silêncio e és a voz
És a luta de quem porfia
És o exemplo para todos nós
És na guerra o aliado
E o soldado
Que és na paz
E és inspiração
Pai Tomás
LUMAVITO, 15/11/2014
(Dedico este poema a toda
a minha família Tomás)
Sempre que alguém sonha
A ideia nasce
Com o labor
A obra faz-se
Pelo rigor
A construção acontece
Fenece o homem
O sonho permanece
LUMAVITO
12/11/2014
(Homenagem a Fernando Pessoa)
Ao pôr-do-sol
Que não brilhou
Estava cinzento
Caiu a noite
E os pingos dos beirais
Salpicam o chão molhado
O galo não canta
Não há pássaros a chilrear
Estão abrigados
A cama acolhedora
Só a chuva se ouve
As estrelas fugiram
Não veem a melancolia
LUMAVITO
11/11/2014
Desliza uma folha de papel
Duma prateleira
Do meu pensamento
Descaindo suave como nuvem.
Baloiçou
Até poisar na mesa
Onde arrumo os meus sonhos
Mesa onde, por hábito
Registo os momentos
Dos encontros que tenho contigo
Regular e apaixonadamente.
Trauteio cantos e prosas
Rosas e margaridas
Esboço de jardins e paraísos
Relato histórias intensas
Que não se esfumam
Não gelam
Nem se escondem
Sinais letras traços acentos e pontos
Sílabas agudas de prazer
E graves também
Por sérias e sinceras
Palavras imensas de orgulho
Sentir o calor da tua face
Textos extensos de afetos
No brilho dos teus olhos
Riachos rios e mares
No veludo da tua pele.
Com todos eles alimento
A minha biblioteca mental
Sonho construir
Mais uma nave de três pisos
Para guardar os rabiscos
E todas as folhas
Que me proponho escrever
No regaço deste tema
Que ocupa todos os dias
Do calendário virtual
Dentro do poema
Que talvez exista
Infinito e belo
Onde marquei reuniões
A perder de vista.
Esta paixão não esgota
Arrebata com fervor
E sinto-me incapaz
De escrever
Tudo o que me ocorre
Porque não uso gravador
E as ideias são setas disparadas
Pelo arco do tempo
E porque o sinto
Nunca ficará completo este capítulo
Deste livro de emoções.
E é arrebatado que leio
O teu pensamento
Os teus gestos
A floresta do imaginário
Ver o sol brilhar
Na orla do teu corpo
Até que a lua se ocupe
De mandar o sol maior dormir
E te olhe resplandecente
Por entre a brisa nas giestas
Que dançam
Com o teu passar.
Escrever de ti
Contigo
É o mote que não acaba
É palavra
É ideia, sentir, palpitar
Todas entrelaçadas
No sentido ascendente
Cada palavra em seu momento
Cada frase, um assento
Cada ideia um fogo ardente.
Cada ideia em sua cama
O sentido que a vida segue
E aquele que lhe queremos dar
Porque somos livres de escolher
Os nossos pensamentos
E a fornalha do imaginar.
Esses
Não há gente
Não há gerente
Nem político ou dirigente
Que nos maniete
E roube o pensamento
Não há ditador que ordene
O que eu possa pensar
E não há ministro das finanças
Que taxe o rendimento
Sobre o meu pensamento.
Não haverá
Ministro da educação
Que promova a utilização de censura
Dos manuais do pensamento
E não existirá ministro da defesa
Que se apodere
Das armas do pensamento
Nem ministro da presidência
Que anuncie decisões
Do conselho do pensamento
Acerca do seu alinhamento
Nem ministro da justiça
Que lhe mude as leis.
Podem condicionar
A forma de falar
De escrever
Conseguem estreitar
A minha vontade de agir
Mas não me conseguem roubar
A liberdade de pensar.
Panaceia, comiseração
A virtude do palavreado
A ilusão vendida aos molhinhos
A preço inflacionado
Acomodação ao estado de pobreza
Ausência de iniciativa
Sempre que me instigo
Declamar suave e doce
Regorgito
Vem-me à boca o amargo
Da notícia
Vem-me à memória a polícia
Que outrora
Fazia da tortura a maior arma
Aflui-me o azedo
Da escandalosa mentira
Retorço-me com este veneno
Que contamina todo o corpo
Provoca arrepios
E dores do pensamento.
Sempre que quero escrever
Coisa redondas
Coisas belas
Megafones insuportáveis ecoam
Por todos os cantos da aldeia
Mensagens poluídas
Conspurcadas
Com vozes aveludadas.
Sinto um murro no estomago
De notícias travestidas
Obscenas
Como punhal espetado no dorso
Vem-me à cabeça
O desprezo que alguns têm por nós
Vêm-me à memória outros factos
Que não desalinham
Desta putrefação reinante
Pelo respeito pelo bem comum.
Sai-me disparada a revolta
Envolta em palavras acauteladas
Sai-me a indignação
Por um “durão” da política
E dessas coisas assim
Sai-me a vergonha de ver
Com que analgésico
Este povo reage
Ainda não pôs pé na rua
A rua do desemprego
E lesta chega a nova
De apenas uma fraca reforma
E parcela de menor importância
Um mísero ordenado vitalício
De vinte cinco mil chavos mensais
Apenas com direito a despesas de deslocações.
Um homem que tanto penou
Em prol do bem público
Imaginem
Durante longos dez anos
Lá para esses lados da europa absoluta
E pura
Tal a alma pura deste ser que se deu
À prática da caridade genuína
Construção da felicidade alheia
Vê deste modo, esfumarem-se
As suas causas nobres
Palpites aqui
Bitaites acolá
Recomendações em avulso
Tantas horas de viagens
Sem direito a descanso
Roo-me de indignação
Por não me situar
Nesta capacidade de entrega
Belisco-me
Espeto-me de agulhas
Por não comungar
De tanto desprendimento.
Não entendo preocupação
Pelos quinhentos e cinco chavos
De ordenado mínimo
Instituído lá para os lados do atlântico
Sim, esses malandros
Inertes, sem ação
Sem pensar
Com paciência
Gastariam o que apanhassem
Não pensariam em amealhar
Para mais tarde
Colherem o fruto da previdência.
Com a mão direita deram-nos esperança
De maior igualdade
Com essa mão
Desenharam seriedade
Com vozes meigas
Pronunciaram gestos fraternos
Escondida
Atrás das costas
Com a outra mão
Roubaram-nos
O que tínhamos de valor
Que mais valor que a esperança
Todos os dias agora
Com a mesma voz
Apregoaram
Que a desgraça nos invadiu
A miséria e a pobreza
Com essa mesma voz
Nos chamam preguiçosos
Desmesurado populismo
Berram-nos
Que não fizemos
Os trabalhos de casa
E a mesma lata
Incriminam inocentes
Com laivos de banditismo
Querem-nos culpados
Dos roubos colossais
Que seus pares promoveram.
Nova página se escreve
Noutro tom
Noutro registo
Sem humor
Desprovido de demagogia
E enquanto houver caneta
Lápis carvão ou pena
Molhada em cálice de sangue
Escreverei
O que o pensamento me inspira
Em folha de papel ou em parede de gel
Nas águas do mar se possível
Rabiscarei na poeira da estrada.
Enquanto houver luz
Enquanto brilhar o sol
Ao luar
E à luz das estrelas
Lerei
Mas sobretudo
Interiormente gritarei
A liberdade do livre pensamento
Para que fique registado
Na minha biblioteca mental.
Com o indicador
Escreverei no ar
Os versos da frescura do dia
Rasgarei com canivete
No tronco
Da árvore da resistência
Com um cavaco
Registarei tristezas
Na lama da economia
E lanço um grito que alerte
Para além da mordomia
Elevemos o olhar
Ergamos a arma maior
Eles não querem Mas
“Não abdiquem de sonhar”
LUMAVITO
10/11/2014
Os pés deslizam na areia
Em desafio
À espuma das ondas
Olhando a lua cheia
Faena em três tempos
Pego-as de caras
Com água gelada
Sem sentir nada
Olhar bem no fundo
Águas bem claras
Submerso ao quarto segundo
Até à primeira braçada
Dito assim até parece
Que a fuga se aproxima
Puro engano a avaliar
Pelo sabor exuberante
De sentir ser o dono do mar
Agora neste instante
Já esqueci
As incidências da corrida
A terra batida
O asfalto
E na imensidão do mar
Apetece-me mar alto
Com pé firme bem distante
Desfruto deste quadro
Em aguarela sobre água
Como se as nuvens voassem
E fugissem para longe
O avião cruza o céu
Em admirável silêncio
O comboio escorrega
Entre a praia
E a serrania
E o seu barulho desapareceu
Ao sabor do vento
E da magia
Olho a ambulância que rasga
O serpentear da marginal
Entre os veraneantes
Que abrem alas
Em estridente espetáculo
De sirene aos lampejos
Deste lado sem tom
E sem som
As gaivotas caminham na areia
Ao ritmo da sinfonia
Que ecoa
Manhã toda, tarde inteira
Em som estéreo
De embalar
Com a orquestra sinfónica
E ligeira
Ao sabor das ondas
Cantoria a Neptuno
Em coro a quatro vozes
Pano de fundo
A voz do mar
LUMAVITO
09/11/2014
Madrugada
Corre ansiosa para o emprego
Subindo a colina
Olhos encovados
Patente desassossego
Os filhos no infantário
Esta gente
Vinda de todos os lados
Noite escura desce a colina
Mais um dia de calendário
Mais do mesmo
Rotina
Regressa a casa
De metro e autocarro apinhados
Anos a fio
Com os nervos em brasa.
Gente que come sopa quente
Em angustiante silêncio
Os putos vão para a cama
Vê notícias na televisão
E reconhece gente com fama
E fala bem
E os lixa
Aumentando impostos
Falando da descida da carga fiscal
E melhoria do ensino
Conforme foram propostos.
Esta gente sobrevive
Arrasta a vida até agora
Envelhece apressada
Em louco ziguezague
Até que um dia
Marcado sem hora
Numa qualquer noitada
A luz se apague
E outra gente
Vinda de qualquer lugar
Desorientada
Suba a colina da vida
Sem nada que a oriente.
LUMAVITO
3/11/2014
Lá porque hoje há sol
E as nuvens pairam no ar
Como flocos de algodão
Dispersas pelo céu
Lá porque em Novembro
As nuvens circulam bem alto
E o sol está radiante
As gaivotas estão na praia
Em lento compasso na areia
Lá porque as nuvens estão suspensas
Há gente Muita gente
No passadiço junto à praia
Ténis, sorrisos e óculos escuros
Lá porque há tanta gente
No passadiço
Há um solitário na praia
Calções, pés descalços, corrida
E um longo mergulho
Em águas serenas
A perder de vista
Lá porque é Novembro
E há um solitário na praia
Rebuscou-me toda a atenção
Pelo lado singelo
Do que em motivação
É diferente
Fui ao seu encontro
Interpelei-o:
Há tanta gente no passadiço
Há gaivotas na praia
Há nuvens lá no alto
E porquê um solitário
A banhar-se em Novembro?
Pelo corpo abaixo
A água salgada escorrendo
Fitou-me nos olhos
Fez um compasso
E com um sorriso
E uma palmada no ombro
Retorquiu:
“Lá porque é Novembro
E há gaivotas na praia
Há sol
E há gente a correr no passadiço
E há prazer no sol
E no passadiço
E há saúde no andar
No correr e no nadar
E lá por haver nuvens
Estamos todos bem assim…
Continue a observar
O que se passa no mundo!”
Nada mais disse
Mas eu sei o que o que ele pensa
E o que disse nas entrelinhas
Como as nuvens trazem notícias
Correndo o céu
LUMAVITO
02/11/2014
Depois de sulcar o alto mar do sono
Numa viagem atribulada
Agitada pela violência das ondas
Desta época de Outono
Em água tão profundas
Sinto a barcaça do lençol
Atracar precipitada
Ao cais do acordar
Encandeado
Pelo foco do farol
Desmesuradamente lento
Coloco pé em terra
Não encontro chinelo
O meu pijama cinzento
Amarrotado
Na forma de esquisso
Tento endireitá-lo
Meio branco meio amarelo
Arrasto-me descalço
Para a minha estação de serviço
Evitando qualquer percalço
Fico parvo de espanto
Estas imagens que capto
Frente ao impiedoso espelho
A figura que lá está
Com ela não me assemelho
Não me olha de frente
Se o empurrar
Que fará?
Ostenta aspeto miserável
Com figura de trambolho
Desconcertado
Caos no cabelo
Remela no canto do olho
Olheiras em triângulo escaleno
Empapuçado
Não, não sou eu…
Oh! Profunda dor
Até o estomago estremeceu
Não sou eu, não senhor
Num gesto pseudo buliçoso
Dá-me arrepios, aquele ser olhar
Tremo de perceber
Este aspeto cadaveroso
Longe não vai este mundo
Com gente desta
Mal-encarada
Que se arrasta sem de si assumir
Uma imagem desconcertada
Sem nada, mesmo nada
Que saiba produzir
Viro costas
Àquela triste figura
E rápido, volto a virar
Lá continua ela sem mexer
Nem sequer as bochechas opostas
Definhado com agrura
Nunca viu o alvorecer
Lesto, enfio as calças
Aperto a camisa
Salto para dentro dos sapatos
Preparo-me para outras andanças
Sem grandes aparatos
Sem uma vontade precisa
Afasto a cortina
E olho pela janela
O mundo gira sôfrego
Tal a fumarada
E numa lentíssima corrida
Persigo o autocarro
Que me acolhe
Como sardinha enlatada
Atiro-me para a casa da roleta
Mais perto da porta
Da chamada “economia”
A montra do supérfluo
A mentira do dia-a-dia
Que deixa a alma partida
E com toda a subtileza
Deste casino da vida
Cada pessoa um objeto
O poder do faz de conta
E o mérito da esperteza
E assim volto a casa
Mascarado de audaz
Até parece que realizado
Como grande rapaz
Por não saber que fazer
Para dar volta a este fado
Fico-me à porta
De mão e pé atado
Procuro o que me conforta
Sem me lembrar nesta paragem
Que na próxima madrugada
Meio viva meio morta
Encontrarei nova personagem
Junto do estranho espelho
De face enjoada
Que sem me fitar
Só me mostra o que é velho
LUMAVITO
20/10/2014
Este ar melancólico
Que todos os dias me assola
Esta forma de discussão interior
Este quase permanente reboliço mental
Que nasce indolor
Como se de erva crescente se tratasse
Quase se confunde com instabilidade
Bem longe da realidade
Olho o crescer do matagal
E por vezes
Se assemelha a solidão
Sem que saiba tecnicamente discutir
Dou por mim meio feliz
Porque discuto comigo
Amargura
Sem perceber o sentido
Rebusco razões da solidão
Ou do silêncio não sei
Sentimento brunido
E não as vejo não as sinto
Nem vislumbro razão
Para a sua evocação
Direi que é antes
Uma situação estranha
Entre o mim exterior
E o meu eu
Só meu
Inexplicável
Porque é sentido
E não de descrição razoável
Um tipo de análise natural
Que distingue entre a aparência
E a realidade que se entranha
O que projeto ser
E os planos que eu traço
Servem de porto de partida
Com eles construo visão
No que se assemelha
A tresloucada corrida
Neles alicerço crescer
Embrenhado nasce a ambição
E nesta navegação
Surgem as dúvidas
Incertezas no resultado
Atingem-me laivos de tristeza
Se o plano se vai cumprir
Por não carregar a certeza
Quando o resultado emergir
Dado um clique
Nas entranhas da solidão
Lesta
Catapulta a mensagem da ousadia
Ou ficas como estás
Com projetos anseios
E sem obra
Ou vingas
E vences os receios
Escavo mais profundo
Nos alicerces do ser
Desenterro ferramentas
Talhadas em ferro forjado
Ou quem sabe se já temperado
Inflijo-me de ganas de furor
Ou a obra nasce
Ou o sentir morre
Com coragem talho o bloco de pedra
De madeira ou o que for
Com ousadia acentuo as formas
Na determinação retoco pormenores
E leio-lhe os pensamentos
Na missiva dos ornamentos
É este lado isolado
De busca por satisfação
É obra feita
Sempre incompleta
Cavalgada pela inspiração
Tendo novo arrojo á espera
Pouco importa o que pareça
Talvez até com rasgos de loucura
É obra é da vida estrutura
Linhas de quem
Para além do feito
Mais procura
Sabendo que incerteza
Ansiedade solidão amargura
Têm o tempero essencial
Ser feliz hoje
Sentir
Não é fase definida
Terminal
É permanente conquista
Insatisfação modelar
Que dá o toque final
LUMAVITO
31/05/2014
Nariz esborrachado na vidraça
Salpicada pelas gotas da chuva
Embrenhado no aconchego interior
Olha o piso da rua vergastado
Pela violência da água
Impelida pelo vento
Aquela bátega de água regelada
Sacode selvagem o arbusto
Embrutecido pelo mau tempo
Tomado pelo susto
O cipreste borda de estrada
Dança um ritmo violento
Sem que possa fazer nada
A não ser moldar-se
Implorando ajuda
A quem por ali passe
Mas ninguém de casa quer
Não há humano que arrisque
Abrir uma fresta sequer
Da porta que separa
O vendaval em despique
Com a resistência e o ar quente
Desta casa indiferente
A este espetáculo sem palco
Nesta rua sem gente
Por entre a névoa
Que se levanta do chão
Cortada pelo relâmpago
Espantada pelo trovão
Cresce no tamanho
Frente aos nossos olhos
Um transeunte escanzelado
Meio pardo meio castanho
Pelo escorrido empastado
Irrompe entre o dilúvio
Aquela desconcertante ossada
Só unida pela pele
Orelhas encolhidas abaixo da nuca
Enterra as patas pelas poças de lama
Os olhos que o fitam
São os mesmos regalados
Por ali terem uma cama
Fazem da diferença no conforto
Sem interesse coisa pouca
Pouco preocupado com o mundo
Lá segue o solitário animal
Olho profundo
Sem se importar com quem fale
Daquela assombrada figura
Passo lento muito lento
Ergue ligeiro o olhar
E de esguelha murmura
Conforto sabe bem saborear
Como tal
Não lhe dá contudo tormento
Ter vida de cão sempre igual
É lutar dia a dia sem guarida
Ou um qualquer paradeiro
Se não arranja abrigo
Segue em frente
Sem prejuízo
À procura de refeição
Sem a trocar por dinheiro
Mordomias doutra gente.
LUMAVITO
31/05/2014
Nunca ninguém te disse
Na segunda pessoa do singular
Nem nunca tiveste dois dedos de testa
Que visse para lá do inconsciente
Em caso algum enxergaste
Que viver não é só por si
Passear os ténis pela cidade
Nem menos ainda
Escolher calças de ganga no centro comercial
Isso é vaidade exibição montra de palhaço
Viver é bem mais do que isso
E isso justamente
Ninguém te ensinou
Que vida é luta
Vida é permanente conquista
É vencer mas não derrotar alguém
É vencer-se a si próprio
Coisa que ainda menos experimentaste
Pois sempre tiveste quem te segurasse
E te puxasse pela arreata
Subsistes à conta de heranças
E do trabalho de outros
Que te deixaram rendimentos
Ganhos em milhares de réis
Esses euros que agora te chegam
Não são do teu trabalho
Que o alcançaste
Nem te conferem dignidade
E que a ti tanto te ignorou
Não se vive só de boas maneiras
E essa vida não é manequim de montra
Não é camisola de lã
Ou sapato de vela
Esta vida faz-se com pessoas
Mas pessoas com honestidade intelectual
Tu que apareces de cara deslavada
Essa tua essência
Apenas montada na aparência
Nunca aprendeste o sofrer pela conquista
Sentir a dor na vitória
Tu que tratas uma mulher
Como se um ser de segunda
Como se apenas de um troféu se tratasse
Para exibir às tuas hostes apoiantes
Não te suscita respeito a mulher
Pela sua acção pela dinâmica
Pela persistência e arrojo
Nela vês um bocado do teu prazer
Pedaço submisso como gato ou cão
E a tratas mal com ofensas
Quando os argumentos não te acompanham
Deixa-me dizer-te
Porque só por ti
Não tens inteligência que te esclareça
E os miolos são coisa que se exercita
E esse teu deserto de ideias
Cria um vácuo de saber
Mas não falo do saber manipular
Nem de saber encurralar
Abre os olhos, sentado nesse muro
Revestido de musgo humedecido
Se esperas aí por ela
Que ela passe par lhe lançares o isco
Não percas tempo
Porque esse tempo de bebedeira
Pela conversa fiada
Só passando por elas
Perceberás a distância
Entre um homem e um rapazola
Não passas dum farsola
Sem carácter e sem raiz
Vai para casa que te constipas
Pois, sem ti
Mais gente será feliz
LUMAVITO
25/05/2014
Bem no alto
Por entre o escuro dos penhascos
No recorte entre a terra
E o preto do céu
Na montanha dos tempos gastos
Mais negros que breu
Tricotam os relâmpagos
Alas para o atroar
Descarregando altas voltagens
No ressoar das trombetas imperiais.
Rebolam pedregulhos
Nas nuvens condensadas
Feitas em frangalhos
Antecipam cenários diluviais
Do rigoroso Inverno
Com tamanha ventania
Caos, desgoverno
Chocam prenhas nuvens
No topo da serrania.
Grossos pingos amnióticos
Sinais claros
De momentos fantásticos
Romperam-se-lhe as águas
Nestes caminhos erráticos
E escorrem
Por entre os matagais
Enxurradas contínuas
A acalmia instalada
Nuvens que se dissipam
Ficam para trás
As paredes frias da noite
Despertar da alvorada
Não é vento que se veja
Nem que por aí, alguém se afoite
Mas é algo que areja
É aragem que avisa
Vindo do lado do vento norte
Musa que chega com a brisa
E se agarra a tal sorte
E se acoita
Na face do monte
Virada a sul
Junto à linha do horizonte
Eis que a vida pare
O princípio duma existência
Primavera assumida
Preambulo dum novo ciclo
Na madrugada milenar
Primeira tarefa cumprida
Neste anfiteatro, hemiciclo
Qual jardim do paraíso
A origem a desabrochar
No silêncio, de improviso.
Frontispícios dos tufos
De erva rasteira
As abelhas cavalgam a montanha
E o pólen
Recolhem, depositam
A um ritmo desconcertante
Que parece bebedeira
A sofreguidão em que militam.
Esvoaçam borboletas
Culminando
Romper da aurora
Pardais que debicam a bicharada
E pedaços de plantas soltos
Flores que pintam o quadro edílico
De todas as cores
Encosta fora
Já deixada a alvorada
Silêncios que varrem a imensidão
De quimeras embalados
Murmuram ao ouvido das pedras
Que serpenteiam
Os socalcos desventrados.
Pingo a pingo
Escorrendo
Engrossam as lágrimas espremidas
Das rochas e dos baldios
Descem aos poucos, a encosta
Veem do alto, foragidos
Fugidios
Em jeito de aposta
Formando balanço
Das gotas siamesas
Gemidos da água, acumulam-se
Em fino regato
Coesas
Ora a um lado, ora a outro
Em disforme aparato
Rasgam o caminho para o vale
E se precipitam no riacho
Não desce por decreto
Ou por despacho
Gravidade natureza
O que os impele
Encosta abaixo.
Escorrem sôfregos, os sinais
Da Primavera da vida
Precipitam-se na ânsia de aprender
Numa sequência corrida
Conquistas triunfais
Da vontade de viver.
Ao fundo
Lá bem ao fundo
E correndo para mais baixo
Lá segue traçando outras nervuras
No início doutro mundo
Dando as mãos
A outros seus parceiros
Seguem por margens seguras
Até que se junte ao senhor rio
Que os absorve
E embala
Por entre desfiladeiros.
Na senda da garganta do vale
Entre duas encostas simétricas
Brilho nos olhos
De vaidade
Por ver o seu trabalho de séculos
De milénios
Escava corajosa
Aquela montanha
Roubando-lhe todos os detritos
Rasgando-lhe aquela rocha
Que transporta
Calhau rolado
Brita a brita
Triturando em crescendo
Tudo arrasta
Em turbilhão
Rebolando
Moendo.
Fonte esta de pujança
É esta a flor da vida
São tempos de mudança
Verão de escala assumida
No auge da energia
Na forma, na cadência
Acelerações desenfreadas
No esforço, na resistência
Em tresloucada sinfonia.
E no amago deste frenesim
Grande rebuliço
Surge o convite ao acalmar
Da guerra desenfreada
Da descida
Espraia-se pela vastidão do vale
E o leva a saborear aquele sol
Que até ali
Tinha passado despercebido
Sem quaisquer burburinhos
Tal a sofreguidão
De conhecer novos caminhos.
Instala-se o Outono
Desta breve passagem
De um ciclo infernal
Neste soprar de leve aragem
Etapa equilibrada, racional
Comedida na medida
E no formal
Sustentada no sabor
É a lei de partida
Para novo impulso
Trampolim para novo fulgor.
Tempo de espreguiçar
Fruindo a acalmia
Encaminha-se quase adormecida
Saboreando a paisagem
Buscando a imensidão desse mar
De recurso sem par
Desde o fundo até à margem
Fonte de deliciosos prazeres
Do corpo e da mente
E no seu leito adormece
Os grãos de areia
Arredondados
Pela sua fábrica abrasiva
Fabrico em série de drageia.
E lá ao fundo
Logo acima das profundezas
Eis que esse líquido
Artes mágicas desta enormidade
Vapor se torna
E se empolga na vertical
Despedindo-se desta azáfama
E do alto das nuvens adensadas
Olha a distância percorrida
Até que se decida
A nova viagem
Sempre repetida
Estonteante.
Viagem duma vida
Com o sal por tempero
Saboreada sentida
Medida certa ou exagero
Temperada a cada gosto
Com a frescura de Abril
E o calor de Agosto
O Setembro bem febril
Da uva para o mosto
Com o frio em Dezembro
Um sorriso em cada rosto
Pelo prazer de cumprir
Da vida ao sol-posto
O anseio de prosseguir.
Não é fado
Não é sina
É caminho trilhado
Em cada viela ou surriba
Da urbe ou citadina
De cada um o legado
Para lá desta colina.
Em cada pensamento uma gota
Por cada palavra um riacho
Em cada poema um ribeiro
Por cada vida um rio
O que vai e o que fica
Em cada mente um viveiro
de ideais, sentimentos
Em constante desafio
O que vai, não vai
Esfuma-se
E o que fica
Se valeu nada
A cada um o que norteia
Acrescentar um grão de areia
Na vastidão do areal
Ou a meio da enseada
Assim se cumpre o desígnio
Dos nascidos no vendaval
Os filhos da madrugada
LUMAVITO
12/04/2014
TÃO SÓ TU
Ao acordar dum sonho
Elegi um objetivo
Pelas vielas do pensamento
Acordei o equilíbrio
No rosto amargo da agonia
Saboreei o alento
Num percurso estreito
Capturei um espaço
No mar profundo
Vislumbrei as estrelas cintilantes
No planar duma águia
Encontrei a tua garra
Em plena cidade
Ignorei a multidão
Senti a amizade
Na pata do meu cão
Numa poça de lama
Enterrei as minhas mágoas
Na toca escura da tristeza
Acariciei o orgulho
No lago fingido da mentira
Provoquei rebelião.
Fui a meio da floresta
Bebi a taça da alegria
Nas margens verdes do rio
Soletrei a força da torrente
Nas pétalas duma flor
Respirei o néctar da leveza
Nos píncaros da montanha
Gritei liberdade
Na barcaça da ignorância
Remei os mares do teu saber
Na face da rocha
Esculpi o teu nome
Na casca duma árvore
Desenhei o teu caracter
Nos degraus deste poema
Doeu-me
Triste por mim
Não pelo que fiz
Não pelo que errei
Nem pelo que sei
Mas por tudo
Tudo o que não aprendi
E do que não fiz
Pelo empreendimento
Que não acabei
E pelo que não te ouvi
E pouco te olhei
Vagabundeei
Até ao fim do mundo
Companheiro da solidão
Encontrei-me, por aqui
E por ali
Quente, suado
Gélido, molhado
E chorei
Pensando em ti
Mas não é tarde
E o tempo espera por nós
Se queremos empreender
É tempo
Na manhã do teu percurso
Conquistado a pelejar
Tempo de aprender
Mais tempo pra fazer
Mais caminho a percorrer
Correr mais distância
Desenfreado
Todas as pessoas acordar
Do acomodar adormecido
Sem vacilar
E olhar em frente
Rasgar o lado poente
Virar-me para o sul
Para todo o norte
E prá nascente
Vê-la correr
Encosta abaixo
Toda a resistência
A ultrapassar
A perseverança a consumir
Até à exaustão
É tempo de recuperar
O tempo que não foi tempo
Pois esse não foi tempo de fazer
É tempo pra mais alento
Para continuar a conquistar
Sem olhar pra trás
Percorrer os caminhos
Longos caminhos de emoção
Tempo de, todos os dias
Com o suor do rosto
Escrever com carvão
Ou com sangue
Nas nuvens da esperança
E da ambição
Páginas deste livro
Escrito todos os dias
Nos dias de calor
Como nas horas longas
Das ínvias noites frias
O que ontem era sonho
O que ontem abriste
E analisaste
Em cada peça
Em cada engrenagem
Tudo o que arquitetaste
E o que por ti foi acrescentado
E percorreste
Chegámos ao hoje
Nós, orgulhosos
Tu exigente
Hoje é aqui
É assim de forma simples
Tal como o vemos
O sentimos
O inalamos
Mas sobretudo
O que imaginamos do amanhã
Este é o momento da viragem
Um caminho repleto
O início de outra viagem
De coragem
Essa ansiedade que espelha
O insaciável
De percorrer já hoje o amanhã
Fá-lo-ás a partir da manhã
Sem pesos, sem amarras
Com um grito de liberdade
Com o rasgo do atrevimento
Esse rumo está todo por percorrer
Os momentos do amanhã
Estão todos por viver
As lágrimas de amanhã
Estão todas por chorar
Os sentimentos de amanhã
Estão todos por sentir
E porque os momentos do amanhã
Estão mais ricos
Depois dos momentos de ontem
E dos de hoje
Os recantos do amanhã
Estão todos por desvendar
Vamos saborear
A brisa que nos envolve
Fechar os olhos
Respirar fundo
Sorrir
Maravilhados pelo que
Os nossos olhos veem
Os nossos ouvidos
Captam este momento
Deixemos que o que os dedos afagam
O córtex atente
A delícia do fruto
Quero ter braços
Pra abraçar todas as razões
Não mais perder
Um minuto de paixões
Mergulhar o poço inesgotável
Da ilusão
Com todo o sentimento
Que o sentir permite
Que o coração palpita
Num turbilhão
É por isso por tudo isto
És tu
Apaixonadamente tu
Metade da razão
LUMAVITO
19/04/2014
À Ana Rita
Esperei por ti
À entrada da porta
Procurei-te
E em redor nada encontro
Aguardo um sinal teu
Ou doutro de quem eu sou
Algo que anuncie a tua chegada
Uma mudança, algo novo
Para quem
Já tanto sangrou
Outro caminho
Para este povo
À minha volta
Não almejo senão natureza morta
Linhas rectas
Linhas tortas em confronto
Com o aconchego
O calor que este lugar
Outrora viveu
Antes, contigo
Montra iluminada
Com projectores
De brilho intenso
Memórias que, no meu baú, adenso
De companheiro para amigo
De honesto para solidário
De quem faz do trabalho, arma
E do rigor, o seu caminho
Procurei-te na mesma rua
Onde juntos, sorrimos
Vagueei abaixo e acima
Na esperança de te olhar
Rebusquei-te na esperança
Que alguém alerte
Que estás perto
Bem perto
Logo ao virar da esquina
Deste tempo
Tempo triste, medonho
Vou até junto do mar
Quando está de bonança
Mas ele não me aponta
O caminho certo
Fora de qualquer rotina
Vem-me à ideia
Que sumiste
Mas não desisto
Longe vão os tempos
Que passeámos de mão dada
Tu e eu
Um Abril longínquo
Um Abril de menino
Chegaste pela mão
De quem não se resignou
Homem, capitão
Carregado de ambição
De entrega ao seu povo
E a revolta pela injustiça
Pela incultura
Obscurantismo
Deu lugar à libertação
De um povo
Sedento de oportunidade.
Cresceste em Maio
Amadureceste, anos a fio
Suplantaste adversidades
Deste forma ao rosto do talento
Subiste os degraus
Da escada da igualdade
Subiste ao planalto da cultura
E do mérito
Trepaste a montanha do saber
E do alto da colina
Espraiaste o olhar
Pela conquista de um povo
Quarenta anos a tua idade
Quarenta na província
E ainda na cidade
Quarenta anos em terra
E no mar
Quarenta anos após a guerra
Quarenta anos
E não vemos o teu olhar
Não sentimos o teu pulsar
E não sabemos onde cumpres
Uma pena de um crime
Que não cometeste
Não abraçaste nenhum mal
Ousaste ser livre
Não ouvimos tua voz serena
Em dias de vendaval
Tenho uma dor
Cravada no peito
Uma dor profunda
Uma dor que me corrói
E dói muito
Mas não…
Não me calo
Não aceito que me silenciem
Esta dor que a todos dói
Diz-nos onde estás retida
Sem ver a luz do dia
Se puderes, que podes
Grita bem alto
Que não estás perdida
Mas se estás amordaçada
Nós aqui, sem ti
Não somos nada
Nós aqui
Somos povo, somos gente
Somos malta
Nós aqui estamos todos
Todos sentimos a tua falta.
Nós aqui
Continuamos à tua espera
Não nos amedrontamos
Com o rugir
De uma qualquer fera
Nós aqui
Estamos prontos
Atentos
E para além da saudade
À noite, pela calada
Perseguimos-te
Pelo nascer da alvorada.
Nós aqui
Estamos famintos
Procuramos-te
Nós aqui
Queremos-te
Liberdade.
LUMAVITO
30/03/2014
É no monte
Que nasce a corrida
Armado para calcorrear
Qualquer trajecto
De ténis T-shirt e calções
Golpeando a colina
Por vielas serpenteantes
Com o verde dominante
Da imensa natureza
Lanço mão ao bolso
Do bolso que não trago
Do meu caderno de agruras
Rasgo uma folha de pesadelos
Atiro para trás uma traição
Veredas e atalhos
Em ritmo moderado
Abrem o rol das dúvidas
Angústias, e demais pesos
Que se adensam
Ao nível da provocação
A que o corpo se sujeita
Estas são as dores de parto
E pelo meio da natureza
O poema nasce
Minutos volvidos
Sem por isso dar
Já não se nota o peso
O ritmo estabiliza
A brisa não marca presença
O caminho escancara-se
E o rodado não deixa rasto
Ligo o sistema de sensores
E a par da natureza
O poema caminha.
E dou por mim
Rodeado de todas as cores
Sombras raios de luz
Formas, plantas, caules
Arbustos
Seiva, pedúnculo
Sépalas de um cálice divino
Pétalas, cama de estames
Pólen de todos os sabores
Estame que namora
E se enrola com o estigma
Câmara da reprodução
E em comunhão com a natureza
Floresce o poema
Abro o livro de emoções
Sonho acordado
Prazer é tudo
O que fica pra trás
O que nos ladeia
E tudo o mais
Tudo …
O espectáculo do silêncio
Embevecido pela brisa
Bem leve e ligeira
Amena
E com esta natureza
Cresce o poema
Lombas, curvas e travessas
Rampas desníveis
Motores em alta frequência
O corpo embala
Nada o faz parar
Este duplo exercício
Serve prazer a quem escreve
Brinda com êxtase
A quem corre
E na imensidão da natureza
O poema amadurece
Numa investida final
O ritmo é intenso
A distância longa
O prazer imenso
Satisfação sem medida
Em jornada triunfal
Último sprint
Em pleno orgasmo do cansaço
E na exuberância da natureza
Repousa o poema
LUMAVITO
23/3/2014
Procuro elevar o pensamento
A todas as potências desmedidas
Levá-lo na prancha do ilusório
Até que as ondas do mar se imobilizem
A saborear o licor do meu silêncio
Sem capa de fuligem.
Quero trepar pelos catetos
Com o calor das palavras
Cravar no vértice superior
O quadrado da minha ignorância
Demonstrar que o meu saber
É parco de substância.
Intento mergulhar a pique
Ao fundo da razão
Ouvir a brisa que jorra
No soletrar da emoção
Em tudo o que mantém vida
E perceber porque ri e chora.
Sonho alcançar o equilíbrio
No delírio da guitarra
No calor da discussão
Sentir no remexer da memória
o gelo da angústia sufocante
No sepultar da ilusão.
Busco sentido nas coisas
Transpondo o sentido das palavras
Sem evidente certeza
Palpar que as pedras são pedras
Pois só quando confuso
Percebo na pedra a beleza.
Para além da aparência
Olho na beleza o objecto
E da sua geometria
Na sua envolvência
Para lá dos meus olhos
Entendo a sua mestria.
LUMAVITO
29/3/2014
Sou ausente de raça
Nem entendo a cor da pele
No baú dos registos
Desvelo a minha etnia
Que não descubro
Diligencio a minha idade
Presumo-me em todas
Novo, velho
Maduro, recém-nascido.
Estou certo donde provenho
Mas não tenho terra
Regalo-me em qualquer lugar
Este eu que se percebe gente
Pelejo por causas
Com ideais, razões
Repleto de sonhos
Procuro a dimensão
Deste universo
Palpito a vida
Prenhe de argumentos
São dúvidas, certezas
E são todos sentimentos
Percebo-me filho
E sou pai
Rebusco memórias
Na alcova do meu recanto
Nos momentos de prazer
E nas vãs glórias.
Busco amor
Refuto o ódio
Além de animal
Esta coisa de pensante
Sem ser artista
Sinto-me marido
Sou amante
Para sentir o mundo
Afortunado
Vivo o pranto e o riso
Irei a qualquer lado
E fabricarei
O que for preciso
LUMAVITO
22/3/2014
Saio à rua olho o céu
Crepita salta abrasa
Ar escaldante
Não suporto fora de casa
Tal o marasmo apatia
Ambiente sufocante
Estufa gigante montada
Tudo queima
Nada mexe nada sopra….
Nada
Sinto o ofegar do fundo do peito
Apertam-me os canais
Que ainda chegam aos brônquios
As vielas que o ar sopra
Até aos pulmões
Tento respirar fundo
Fecho os olhos nada feito
Inspiro pela boca
Entupida a narina
Vejo fugir o mundo
Provoca-me o colapso do fôlego
Sinto a vida a murchar
Esticados os favos da minha concertina
Mais não cedem
À minha ânsia de respirar
Calor é satisfação
Se à saúde for aceitável
Sensação de aperto peitoral
Tento puxar das entranhas
O ar com desmesurada sofreguidão
O cérebro dá sinais
De coisas estranhas
A luz diminui
A clareza das ideias esmorece
E o pensamento não flui
LUMAVITO
22/3/2014
Era um dia entre muitos
Todos os dias
Todos os minutos
Daqueles
Que a vida consome
Um dia diferente
Mas só aquele
Envolveu toda a gente
Não mais se falou
Da cinzenta tristeza
Da miséria
Da fome
Era um dia de Abril
Manhã cedo
Momento talismã
Dia em que o medo morreu
Se apagou outra gente
Gente vil
Naquela manhã
Entre sussurros despertou
E veio a luz do dia
O dia em que
O filho, o neto, o pai e o avô
Se olharam de frente
Selaram o abraço
Com o adeus
A vinte e quatro
Rasgaram a tristeza
Agarraram a alegria
Foi nesse dia de Abril
Esse dia vinte e cinco
Que olhámos para trás
Esse fantasma da opressão
Angústia
Estômago sem pão
Esse bicho malvado
Jazia prostrado
No meio da cidade
Na mira
Da arma da coragem
Que disparou
Cravos de liberdade
No tempo em que respiramos Abril
Nos dias em que
O gelo evaporou
E
Do frio das noites escuras
Vislumbrámos o raiar do sol
Entre tantos, tantos mil
Gritos de revolta
Palavras de alento
Disparadas pelo
Brilho dos olhos
Do soldado que sorria
Cavalo à solta
Dentro daquela farda
Libertou-nos
da guilhotina
Das torturas
E vingou o cravo espetado
No cano da espingarda.
Foi nesse Abril
Que despertou a liberdade
Essa primavera do sorriso
Abril que nos trouxe verdade
Foi esse mês preciso
Foi esse mesmo soldado
Entendamos, deixou aviso
Liberdade não se compra
Conquista-se com sangue
Vive-se com entrega
Longe dos holofotes
Dormindo com a ousadia
Erguendo-se com a honra
Com braços mais fortes
Combatendo os farsantes
E a sua cobardia
Sem Abril
Igualdade será ausente
Sem Abril
Não teremos liberdade
Que possa seguir em frente
Abril é luta
É conquista
Abril é disputa
Permanente
Abril é e será sempre
O farol de quem sentiu
Que antes de Abril
Nenhuma voz sorriu
Mas este ainda é
O nosso Abril florido
LUMAVITO
01/03/2014
Uma parte de mim quer
A outra em mim pondera
Um pedaço de mim sonha
O outro de mim prevê
Um lado quer que eu aja
De mim, o outro mede
Um cérebro dorme
Por mim, o outro vigia
Parcelas de mim projectam
Tantas outras a realizar
Que identidade, que acção
Tantas outras questões que ficam
Outras tantas que solidificam
Um ser entre milhares de milhões
Elevados a tantas potências
Geometria do pensamento enquadrado
Quadrado, redondo, triangular
Regular, obtuso
Concavo, convexo
Todas as formas, transformações
Que cavalgam o amago das divergências
Das confluências, das aparências
Aspectos, imagens
Catalisador do pensamento
Estes pedaços, parcelas
Lados, arestas, ângulos
Maiores, enormes
Pequenos, diminutos
Eles todos, todos juntos
Identidade
São os que definem um ser
Que objecta, constrói
Participa, impulsiona
Ao mesmo tempo, emotivo
Sem perder o equilíbrio.
Da intercessão das partes
Na conjunção dos pedaços
Surge a figura do conjunto
Montão, mistura
Do osso e do músculo
Inclusão da febra e da gordura
Esforço, resistência
Acto consolidado
Cunho, índole, firmeza
Pela natureza do simples elemento
Caracter estruturado
Dá lugar à estrutura do pensamento.
Um ser que pensa
Em coexistência com o coração
Ente que resolve
Com base na razão
Mas que avança, da que pensa
A melhor feição.
Sabendo que somos etéreos
Passamos, progredimos
Crescemos, aumentamos
Nova etapa, regredimos
De energia
Sem perder o norte
Do objecto final
Saímos deste mar
Deixando mais
Do que encontrámos.
Com todas as migalhas
Se conta uma vida
Tantas outras, outras tantas
Parecidas, semelhantes, confundidas,
Nunca iguais
Com cunho irrepetível
Que evoluímos para a cinza.
Deixamos marcas, construímos pistas
Deslizamos em construção
Olhar para trás, sem temor
O objecto tem formas múltiplas
Génio porventura
Loucura em dose quanto baste
Para tantos, deformações
Caminho agreste, desventura
Importa prosseguir viagem
Com dignidade, sem ilusões
Sem manhas, com artes
Do saber
Saído da terra
Ora miragem
Salto sentido, finda no lodo
É meu, com todas as partes
Só assim fazem sentido
Todos os pedaços deste todo.
LUMAVITO
18/02/2014
(In ludecenio loures)
Olho as águas cristalinas dum rio seco
Percorro as margens da felicidade
Mergulho nesta torrente
De falsas esperanças
Dum dia resplandecente
Carregado o céu de escuro cinzento
Este que é miragem de toda a gente
Só de mim é amarga imagem
De caminhos cruzados pelos passos
Passos apressados, lentos, firmes ou moles
Da força de viver fraquezas
Triste é o dia dos que vadiam
De quem sonhou sonhos lindos
E belos de sonhar
Com pés descalços pisa pesadelos
Estradas amargas, cobertas de tojos
Rijos, verdes, penetrantes
Rastos ensanguentados pela ferida do espírito
Que estremece em cada picada envenenada
Desta gente insensível, desumana
Desleal e mentirosa.
Quantas ceifeiras são precisas
Catarinas de Baleizão, feridas, prostradas
Para que do prostrado se erga o arrojado
Do resignado se levante o destemido
Se diga que só há dominadores
Até que a coragem dos resignados
Suba de tom
A indignação transborde
O caldeirão deste país
Soe bem alto a voz dos espezinhados
E o saque dê lugar à justiça
Cega
Ou de olhos abertos
Se faça justiça sem vingança
Mas que garanta
Aos que pagaram a dívida que não deviam
Lhes seja devolvida cobrança sangrada.
Virão os dias, muitos dias
Mas já não faltam muitos
Em que a lei não é o mercado
Lei será a dignidade
Lugar se dará à verticalidade
Confiança em quem confia
Em lugar da vergonha, a honra
Honra na palavra, no gesto.
Ergamos os valores humanos
Escondidos, temerosos
Em segundo plano
Empurrados, tolhidos
Pelo balançar duma nau desorientada
Neste mar picado
Revolto, embrutecido
Contracções bruscas das entranhas
Não permite que cérebro raciocine
Momento do salve-se de modo qualquer
Mãos soldadas a coisa qualquer
Da barcaça
Que nos mantenha
Cabeça fora de água
Olhar atónito do espumar de toda a onda
Vire breve em tempo de bonança
Leve brisa trará mudança
Corpos ensopados terão breve descanso
Pé em terra firme, bem firme
Regará o canteiro da emoção
Crescerá a árvore da razão
Singrará a floresta do saber e da cultura
Construiremos cabanas de amizade
Recuperemos o caminho da dignidade
LUMAVITO
15/02/2014
Nos campos a florir
Flores espadas a desabrochar
Erectas, reluzentes
Pétalas de gume afiado
Em riste, encaixadas em canga
Ardente e firme
Fazem golpes que sangram sonhos
A erva húmida enterrada
Agora terra arada, branda
Cortada pela folha da charrua
Fundo rasga os solos húmidos
Larva rastejante fura o naco de terra
Pássaro reinante pela bicada profunda
Indiferentes ao ruido da composição
Da junta de bois
Tractor antecipado
Com dois motores
Pelo acastanhado, pachorrentos,
Passa por mim, um ao rego, outro à arriba
Chegados ao fundo do terreno
Vira a folha, limpa o ferro
Regressam, um à arriba, outro ao rego
Rego que mal viu a luz
É já coberto à vinda.
Porque abre e logo fecha?
Porque vai e vem?
A terra é revolta
Sulco pra lá, outro pra cá
Olho esbugalhado, o miúdo
Só vê a magia do revoltar
E virar a terra do avesso
Lança a magia na planície ensonada
Interrompida pelo raiar do sol
Entre ramagens estaladiças
O miúdos de olhos brilhantes
Entontecido, extasiado
Tal a imagem de mudança
Mundo ao contrário, terra remexida
Virada pelo encanto de um ferro.
E se revoltasse esse lado da sua vida
Lhe lançasse umas sementes de atrevimento
Depois gradada a terra
Cresceria a alegria
O milagre da germinação
Este mundo do avesso virado
Teria outras culturas
Outros milagres
Vagem cheia, semente apodrecida.
Como seria diferente
Se eu pudesse
Lavrar o mundo todo
Regá-lo com suor dos humanos
Correr com todas as pragas
Teria o celeiro cheio
Para alimentar o mundo todo
À luz do dia
O prazer duma vida feliz
Fazer das causas amargas
Sem sabor de permeio
Um pote de doce mel
Do néctar do centeio.
Do pouco se faz muito
Do muito s e faz tudo
Gerando um intuito
Compor, inventar
De tudo se faz o mundo
Uma terra de tudo amar.
Se não amo o que crio
Quem o olhará com fervor?
Sou eu que lhe dou forma
Toco-lhe na face, imagem
Tempero-o com o meu calor
Isso para mim o torna
A leveza da folhagem
Do espírito criador.
LUMAVITO
6/1/2014
Noites frias, longas noites,
Escuras, breu profundo,
Tempo longo, comprido, tristonho,
O escuro da melancolia, enfadonha,
A melancolia assustadora, escuro,
Sumiço de luz,
Coração sem chama, amedrontado,
Semblante carregado, empedernido,
Face medonha
Deste lado do hemisfério,
Deste lado do muro
Negro, escuro,
Onde a luz não tem efeito,
Corpo gélido, carcaça tiritante,
Chuva que trespassa a pele enrugada,
Negra, despida,
Passo esticado, sem força nem ritmo
Poça de água, guilhotina
Dos pés carcomidos pelo frio
Dentro de botas atoladas
Escorregam pelo lamaçal
Daquela terra ensopada.
Alma fria, ferida
Pela solidão do caminho
Pântano, charco
Que dá para o rio
Também ele, traiçoeiro pantanal,
Sem ânimo, e crença espremida,
Sigo perdido sozinho.
Bem ao fundo, bem longe
Onde muitos passos, pelo visco da lama
Passos lentos, sofridos
Não aproximam,
Cansam, esgotam, doem,
Motor principal, sem chama
Arrasta este resto de gente
Pouco andante
A caminho dum lugar distante.
Garganta condoída
Que nada clama,
Mal boceja
De fraqueza extenuante
Já não pensa, letargia,
Olhos quase apagados,
Só sonha
“Mais além,
Um banco, uma cama,
Água quente”, delírio,
Antes duche diluvial
Até aos ossos
Atinge as entranhas
O ventre, o alto e o baixo,
Também,
Soprado pela rajada de ventos,
Tirita, cambaleia,
Treme, estremece
Não há cara, nem linda nem feia
Que suporte o cansaço
Pingos grossos, disparados
Contra a tez desprotegida
Desânimo, quase desfalece,
Das tripas busca forças
Se da força se faz tripa
Se da dor se faz ânimo
Se por linha torta
Alguém caminha direito
Resistir até à última gota,
Se da gota há alguma final,
Fonte dentro do peito
Em conluio com o cerebral.
Passo a passo, cambaleante
Dura jornada, encharcada,
Pé vacilante pisa firme,
A porta da cabana é já ali,
Mais um esforço
Uns tantos passos
Apressados, trémulos,
Mão à frente
Busca onde se agarre,
Se aguente e ampare
O resto daquele corpo
Quase rastejante
Sorriso amarelo regelado nos lábios
Não interessa direito ou torto,
Empurra a porta, rangida,
Ergue o pé, último esforço,
A chuva já canta de fora,
Sibila o vento,
Forço, e fecho a entrada,
Essa fronteira
Que separa a intempérie,
Do aconchego dum pedaço coberto,
Apenas uma porta de madeira
Que divide o conforto
Do arrepio, granizo,
O desagrado em série.
Banho reconfortante
Em três tempos
Deixa outro ar, disposição
Reconquista por diante
Enrolo-me no toalhão
Passo pela cozinha
No meio da mesa
Da fruteira, uma fruta,
Duas dentadas,
Sentado no sofá
Liguei o televisor
Canal ao acaso, aguardo
As novas que já são velhas,
Os mesmos temas
“o nosso presidente, super ministro,
Nada se passa”,
“O nosso primeiro, está tudo bem”
“o vice primeiro, linha vermelha dos reformados ”
“o governo requalifica, despedindo”
“o governo recalibra as medidas”
Tudo isto em prol dos mal amados
Num grupo de fantoches desgarrados
Como comadres desavindas.
Lesto, num sobressalto,
Uma dor, desconforto,
Dum momento para o outro
No consolo duma cabana
Para trás ficou muita gente
Muitos homens, mulheres
Jovens e crianças
Sem caminho para o abrigo
Sem cabana do refúgio,
Entranhados nestas andanças,
De esquecidos, os sem abrigo,
Sem alguém que dê a mão,
Apanham chuva,
Impele-os o vento,
Granizo não os poupa,
Agasalhos, coisa pouca,
Comida quente, buscam em vão,
Restos nos caixotes, desperdícios.
De seguida, algures
Voz grossa e lesta se ergue
“não trabalham, não fazem sacrifícios
Como nós, gente honesta, laboriosa;
é natural que a vida lhes dê esta forma penosa”.
Mundo cão este,
Que não vê nos outros, dignidade
Oportunidade de demonstrar
Que lhes falta oportunidade
Mostrar que o vendaval
Pode virar noutro sentido,
Como os ventos,
Também muda,
E que um coração ferido
Pode ser feliz noutros tempos.
Depois de natal modesto
Parco de meios, não somámos outros,
Eu que me sentia
Atingido pela má sorte,
Levantava a voz em protesto
Por esta gente, verdadeiros carniceiros.
Olho-me com tanta mordomia
Na minha cabana
Há uma casa para banhos,
Águas quentes,
Com toalhão pessoal
Escova de dentes
Cozinha com fogão
Talheres na gaveta do meio
Toalhas e avental,
Pratos de diversos tamanhos
Tachos no armário de baixo
Sala com sofás, lareira
Coisas reais, sem imaginação.
Quantas pontes, viadutos
Fábricas, armazéns abandonados
Barracas de tapumes, telhados de lata
Tantos outros produtos
Desperdícios aproveitados
Para o conforto(?) de quantos?
Quantos engrossaram estas fileiras
Neste mesmo natal
Neste mesmo país
De novecentos anos, nação,
Foram atirados para a rua,
Debaixo de uma ponte
Com que cama, com que roupa
Higiene ou refeição?
Viro cara ao lado,
Calo este fado?
Escudando-me na cortina
Da hipócrita impotência,
Que sozinho, o mundo
Nada mudo.
Não aceito a paralisia,
Anseio erguer a voz,
Denuncio esta injustiça,
Gente de trajes formais,
Predadores bem falantes,
Conseguem chamar ao imposto “poupança”
Ao despedimento “requalificação”
Carrascos da esperança.
Não viremos a cara à adversidade
E denunciemos bem alto
Esta matança.
LUMAVITO
04/01/2014
Gente que não ama
Faz de ti foco seu
Gente que te chama
E pede o voto teu
Sem pudor, de tal manha
Gente que te trama
E te diz sem vergonha
O teu voto é agora meu
E é para isto que o homem sonha
Com tal frustração
A quimera floresceu
Aprende, abre os olhos
Confia em quem porfia
Não é sério, não é digno
Quem usa de tal mestria
Para, em seu proveito
Usar de tal cobardia
Aquilo a que tenho direito
Rimar é importante
Mas não é tudo na vida
Palavra com palavra, a nossa fonte
De beber essa água querida
Elixir que suplante
A dignidade ferida
Versos meus para mim
Fazem todo o sentido
Que mostram o orgulho ferido
Agruras dores sem fim
Qual caminho percorrido
Com chama e frenesim
Estranha musa esta que me assolou
Danado com estes dias sombrios
Sentimos coisas presas por fios
Ninguém ainda clamou
Que o fim destes meninos
Tinha chegado
Não chegou…
Não chega sem que metralhes
Que uma palavra não basta
Uma frase são detalhes
Uma página, pouco mais
Um livro, com força arremessado
Pode provocar pouca mossa
Nas gentes desta casta
Gritar com todos os pulmões
Desde então
Dois mil e doze, em Setembro
Estou a ver se me lembro
Se algum dia não pensei
Este país não seria
Mais feliz sem esta lei
Criada nas eleições
Que só tem más recordações
O meu voto não dei
Mas criámos ilusões
Que a coisa seria melhor
A crise por eles montada
Não é forçosa
Mas causa maior
LUMAVITO
26/11/2013
A IMPONÊNCIA A TROTE OU A GALOPE
Cavalo animal brioso
Pela pose pelo olhar
Essa fatia importante
De orgulho saber estar
Serenidade passo a passo
Em frente,
Figura modelar
Ostenta pelo reluzente
Ativo possante
Lesto animal sumptuoso
Olhar voluptuoso doce
Porte imponente majestoso
Crina brilhante como se fosse
Proeza de cabeleireiro
De primeira água
Tal o aspecto de perfeição
Em cada movimento de trote
Ou em corrida a galope
Com elegante mestria
A caminho da póvoa
Percorre vasta planície
Em viela empoeirada
Monte acima vale abaixo,
Segue por barranco ora por estrada
Até ao início da calçada
Em redor do estábulo
Portão franqueado
Jornada cumprida
Tarefa acabada
LUMAVITO
16/11/2013
IDEIAS CRIAÇÃO
Fogem-me as palavras,
Busco forma de expressão,
Ideias que a vista firma,
Razão de viver,
Gravo da expressão que não expresso,
O olhar vadio, saltitante,
Rebusco em cada virada,
Elemento distante, diferente,
Que chame a atenção do olhar,
Olhar supersónico de condor,
Na ponta da mira da velocidade
Nos trezentos mil milhões
De unidades de movimento,
Na minha agitação singular,
De baralhar o pensamento.
Senti o agitar duma ideia,
Agarrei-a com luvas etéreas,
Envolvi-a numa bola de sabão,
Essa ideia que não tem expressão,
Tem vigor, leve vapor envolvente,
Manteve-se suspensa, flutuante,
Foi subindo lentamente…
Esfumou-se!
Grito de silencio, assombro,
Não há lugar ao espanto,
Em cada relance, nova razão,
Para outro pensamento,
Imaginação,
Por viver de suspiros,
Criação de considerações,
Misturadas com essência de emoções,
Génese de construir, aproveitar,
Agarrar em lixo,
Escória pra uns,
Matéria-prima pra outros,
Começar por desperdício,
Evoluir,
Fazendo do refugo, excedente,
Se faz obra, criação,
Do gerado se olha o entendimento,
De pra uns ser lixo,
Pra outros emoção
De criar,
A partir da imaginação.
Do movimento se colhe energia,
No estrume cresce semente,
Seiva em transporte,
Dá planta de alimentar,
Metabolismo em ebulição,
Provendo espirito inventivo,
Já que de estomago vazio
Não se cria ideia forte.
LUMAVITO
22/10/2013
Olho a lua com longas faixas
De seda flutuante
No lençol embalado das águas
Em noite de brilho e encanto
Do balouçar da onda que sussurra
Vindo adormecer na areia reluzente
Na praia que murmura
Ardente
E diz à onda que descanse
Que eu te embalo te afago
E amparo
Como donzela de romance
Ao fundo recortado o socalco a encosta
Em escuro contraste com o restante
Esconde os segredos da água
Que agita
Outra onda mais outra
E ainda mais uma
Som ritmado, batido, arrebatador
Este ritual fervilhante
Ao mesmo tempo silencioso
Parecido com embriaguez extasiante
Chega suave deslizante
Sem espuma
À sola do pé despido
Enamorado pelo som de gemido
Do fresco líquido que o perfuma
Este fervilhar do silêncio
Não contempla o silvo do comboio
O trovejar do avião
Os carros nas avenidas
Cravadas de gente, poluídas,
O badalar do sino da igreja,
Nem sequer, de gente que se veja,
Por paragens onde
Não tem lugar a confusão
Lá longe, no meio do crepúsculo
Uma luz balança, tonta feita
De tanto dançar
Ao sabor do ondulado das águas
Pululando
Apoiada numa barcaça
Que por ali dança
E descansa
Assistindo à azáfama
Do vagabundo pescador
Do peixe tentando colheita
Solitário, atento, astuto
Que bem sabe
Onde o pescado deverá aparecer
E não acontece, ele não morde
Não pica
E ele por ali fica
Até que outro peixe se entregue
Ao sustento de quem tanto persiste
Olho ao largo resplandecente
O mar, não se cala
E no meio de tanto silêncio
O meu pensar explana, corre, percorre
Furando entre ondas, embala
O prazer da vastidão
O sabor intenso
Da brisa a entrar suave
Pela narina,
A olhar o imenso, que se espraia
No meio desta clara escuridão
Que combina
Com este lado, a magia da praia
Esvoaçante brisa, finamente brisa
Brisa do mar
Suaves sopros por entre ramagem
Entre as dunas, molengonas
Acompanham o meu olhar
Sorriem com o meu sorrir
Contemplam juntos, o imenso
O imenso mar, mar sussurrante
Como as minhas ideias
Também elas errantes
Tal a grandeza
De planos, horizontes
Profundezas, instantes
Vagueia o brilho nos olhos
Não há vales, não há montes
Há uma imensa vastidão
De sinais, gestos, mensagens
Vindos de longínquas paragens
Chegam frescas, na crista das ondas
Como se fossem escritos
De quem quer anunciar
Que este mar que nos separa
Também nos une,
Traz novas de esperança
Confiar que é possível
Dar as mãos, por entre as ondas
Estender os braços
Apertar abraços
Fraternos, quentes
Falar a mesma língua a expressão do mar
Murmúrio, ouvir o sussurrar
Do refluxo
Balbuciar sons diferentes
Das palavras dos humanos
Para eles, enigmáticos
Esta linguagem dos oceanos
Não me apetece primar
Dá-me vontade de espraiar
O pensar reflexão
Por cima e por dentro
Da espuma da crista
No balouçar das ondas
Circular ao sabor dos movimentos
Redondos, estonteantes
Indo ao fundo e voltar
Cabeça de fora, respirar
Fitar em redor
Captar o tão imponente panorama
Por tão inebriante libertação
Leves pensamentos
Ligeiros e lentos
Fico horas, ocupo dias
Passo o tempo a esquecer
Esqueço a espuma da vida urbana
Fico até não me lembrar
Que tenho coisas a fazer
Por obrigação
Neste mundo tão louco
Sem prazer
O deleite que aqui nutro
De falar com o mar
E ele me dizer
Este mundo, de natural tem pouco
Absurdo, insensato
De morrer
E mata, e vai matando
Sem avisar
Tal a pressa arrepiante
Com que se tem que viver
Neste mundo galopante
Ir depressa, e voltar
Logo de seguida Perecer
Apetece-me parar a vida
Fundo, respirar
Fechar os olhos
Sonhando, contemplar
Se há coisa que compensa
Suspender o tempo, a pressa
Descontraído, natural
Deste lado nesta margem
Do mar
A existência não para
Mas saboreá-la podemos
Deixem, ao menos
Sorver cada gota de orvalho
À medida que o tempo passa
E se chega a aurora
O raiar do outro foco de luz
Essa luz que traz o dia
Essa estrela pregada
No outro mar de cima
Por cima do horizonte
Vai fazendo jus A este silêncio de ouro
E volto à rota empoeirada
E ao caminho de alcatrão
Que me reboca
Desatinado, ao betão
Sentido contrário
Ao meu desejo
Sem que tenha o ensejo
De ficar por cá
Sem que saia da boca
Desabafo
Clamor de um até já
Quero ir e cumprir
O que me é exigido
Como ser, elemento social
Imperativo do labor
E logo que cumprido
Voltar
Ainda ao longe, escutar
E ouvir as novas do mar
Meu amigo, companheiro
Compincha e conselheiro,
Voltar a navegar
No teu silêncio
No teu bruar
Sentir a fresquidão, saborear
Em cada braçada, mar adentro
Mais ninguém por perto
Que assista à nossa conversa
Ir à frente, flutuar
Mais mergulho ao fundo
E voltar, sem pressa
Nem pressão
Encetar nova conversa
Com o amigo
O mar!
LUMAVITO
12/08/2013