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Ser é um estado de conhecimento a navegar
Uma forma de consciência em ebulição
Ser é de um farol a estrutura de fundação
A suportar
Que irradia lampejos de intermitência
Do navio que segue solitário no escuro
Neste mar imenso que é a vida resistência
Este sulco que rasga o mar
Tem na proa o guia que o conduz
Entre os rochedos e os bancos de areia
Por entre o mar navegável a rasgar
Contornando os obstáculos
Perseguindo o que nos norteia
Ser não é só por si
Um porto de abrigo ou objetivo
Um lugar onde o navio se protege da ondulação
Em tempo instável
Carregado de perigo
Ser é um viver permanente a navegar
Em tempos de bonança
Quando o vento é favorável
Como o é nas tempestades
Ou quando sopram de rajada
E a nau balança
E que quando as intempéries
Tocam de surpresa à proa
Também elas fustigam a ré
E o navio circula à toa
Ser é um resistir permanente
Às pedras sinuosas da estrada
Agressiva e enfadonha
É sentir aquela dor penetrante do ser real
E a planta do pé desnudo
Faz da dor uma aparência indolor
E a resistência como escudo
Ser é perpetuar-se para lá dos bombardeios e explosões
Que nos tentam desviar do caminho que seguimos
Sem desistirmos do ser integro e coerente
Ser é não permitir que a amargura nos afunde
Mesmo que o mundo desabe sobre nós
Nem que para isso se recorra
À figura do “faz de conta” que ”está tudo bem”
Pois o preço do afundamento não tem limite
E a capacidade de ser herói ninguém tem
Sem que haja algo em que acredite
Ser é o sentimento mais profundo
De que viver é o desígnio
Centrado no que há de mais natural
Sem enfeites e sem preconceitos
Excêntrico a nós
E com epicentro no ser inquebrantável
E ser digno é essência estrutural
Ser é acrescentar algo mais
Ao mundo que encontrámos
De forma generosa e sem nada em troca
Ser é rejeitar o logro a mentira
A vingança e o egocentrismo
Onde o “não” não tem espaço pra se alojar
E o ser é a entrega para se ser
Sem nada de que se espere
E com tudo pra conquistar
LUMAVITO
20170701
CXCI
Se eu tivesse a certeza de quem sou
Talvez me pudesse conhecer um pouco mais
E saber porque ando por aqui
E para perceber o que posso vir a ser
Pois o acaso apenas conduz a nenhures
Mas não posso querer ser um outro eu
Só para me sentir cómodo
E não ser esse eu
Que não sei quem é
E o desconhecido é o prelúdio do abismo
Sei que a luta é a de um rio a desbravar caminho
E sempre que acaba o ciclo
A mesma água volta a calcorrear o mesmo percurso
E o sentimento é de quem não reúne simpatias
Certamente até de incompreendido
Mas a crença por algo mais superior
Retira-nos até a lucidez
Nos bancos de jardim do meu quarto
Sentam-se esse outro eu
Que desconheço
Com os seus comparsas de rotina
E todos desfilam silenciosos na sombra
Incluindo esse eu
Que olha em redor
E vê através da janela
Os transeuntes que passam céleres pela rua
Apinhada de coisas tão irreais
Como se a realidade fosse uma verdade única
E se a verdade se transformasse
Numa única e pura realidade
A verdade é às vezes real
Porque a ficção é um amontoado
De imagens que queremos engolir
Mas não faz da realidade a única verdade a ingerir
Cheira a febris e pútridas conversas de faz de conta
Latejam realidades arrepiantes e assustadoras
E o amargo que regela a garganta
E a torna seca como rocha
Como se trampa deslizasse até ao estômago
Verdadeiramente possível mas improvável
É o sonho do mundo com um pensamento lúcido
Transparente lógico e emotivo
Em cada passo de cada vagabundo
Solta-se a amarra duma palavra muda
Trémula e prenha de vácuo
E o diálogo que se suporia acolhedor e envolvente
É uma vozearia de sons esmagados pelos tacões
E um vazio de sentido e senso
Uma algazarra de absurdos
Um matraquear de monossílabos metálicos constantes
E a confusão gerada naquela ordem
Que ninguém conhece
Nem como funciona
As palavras resvalam húmidas
Como as paredes das cavernas
E alojam-se como lama
No chão escorregadio
Deste charco
Labirinto imundo
Que é a urbanidade selvagem e impiedosa
E o meu eu transforma-se no umbigo do mundo
Realisticamente possível
Mas dramaticamente improvável
É o pensamento se metamorfosear
Na realidade mais lírica e louca
De que o humano se consegue desprender
E continuar a lutar por ideais
E só por ideais
Apenas assistido pela metafísica
Ambígua e pobre
Como se Lázaro uma força divina
Que nos mantém ingénuos e puros
Matematicamente possível
Mas vergonhosamente improvável
É qu se cumpra
Que a sorte se pode buscar em qualquer quartilho da roleta
E que ela se queda
Sempre de igual modo do lado da fantasia
Como se o mundo material e físico
Não fosse comandado pelo campo magnético
Que faz parar a bola da sorte
Sempre no mesmo quadrante
Contabilisticamente possível
Mas tristemente improvável
É a justiça que se diz cega
Não levante a venda
Para saber se este eu no banco dos réus
Não é um outro bafejado
Que mereça uma cega ajudinha
Por ser “gente respeitável e boa”
À luz da justiça criada pelo rasteiro humano
Irremediavelmente improvável
É este eu sentir
Que vale a pena não se deixar abater
Nesta luta desigual
E no entanto
Continuar a acreditar
Que vale a pena lutar
Pra mudar o imutável mundo manipulado.
LUMAVITO
20170624
CXC
Se há dias, a faina estava intensa, nesta altura, a azáfama do lançar das redes à mesa, e a ânsia por uma boa pescaria, dão o mote a um momento buliçoso e apaixonante. Os olhos do pescador brilham, como brilha o reflexo do sol nas águas calmas,e o vento está ausente. Talvez a sobremesa seja uma iguaria amiga da diabetes. Cheiro a sal e mar são o digestivo apaziguador. A seguir, o sossego ajudará a fechar este dia calorento, mas deveras saboroso.
Em plena sala se faz ao mar
A faina é dura
Mas não pode parar
Não dão descanso ao pescador
A família e o dever
Cavalga uma brisa marinha
Pelas narinas o seu odor
Se à rede não vem sardinha
Não há pão na mesa pra comer
LUMAVITO
20170617
CLXXXIX
Gesto vigoroso firme e certo
Olhar meigo e doce
Consome a vida como se fosse
O primeiro dia do seu universo
Sem que o tempo rolasse
E restasse sempre na sua posse
Nos olhos cândidos trespassa a fibra
Não há momentos mortos a seu lado
No ar plana sorriso rasgado
Em seu redor o mundo inteiro vibra
De alegria imensa por existir
E o cansaço sem lugar pra resistir
Um sonho lindo não se perde
Nem no tempo se esfuma
É como se sozinha passeasse
Numa qualquer ligeira bruma
Pisando a relva dum tapete verde
E alcançar o almejado desenlace
Da Miriam fica o exemplo
Que não se é herói depois de morto
É no caminho árduo e duro
Que com firmeza alcança o futuro
E com efusiva vontade de viver
Quem assim luta só pode vencer
LUMAVITO
20170523
CLXXXVIII
Esvoaçam as crinas aveludadas
E cavalgo todos os pensamentos libertinos
Que a brisa fria e nostálgica
Nos presenteia
Com a quietude do infinito
Aqui tão perto
Tomado pelo vento
O cabelo esvoaça revolto
Neste pedaço de vida quase perfeito
A grandeza dos montes
Impregnada pelo austero das estepes
Acentuou a distância
Que nos separa do mundo
Só há acima
E acima desta visão celestial
Só os montes sem vales
Montes cinzentos, azul-prata
O alvo da plenitude branca
Da neve sedosa e implacável
Tenho ganas de subir ainda mais
E fugir deste mundo agreste e babilónico
Não há Sírias nem Palestinas
Não há Coreias nem Venezuelas
Nem mortos no Mediterrâneo
No terreno não há lugar para a disputa do petróleo
E a Europa dos valores que se esfumaram
Está bem abaixo de nós
Esqueci o que vai nos vales
E só a magnitude me enche a alma
Cavalo e cavaleiro são levados pelo sonho
De desfrutarem sem fim
Este paraíso terreno
Acordar não faz sentido
LUMAVITO
CLXXXVII
20170427
Viva e Intensa
Prenhe o céu que nos cativa
Esta coloração como se uma tela fosse
Despede-se imponente e altiva
Naquela névoa laranja e doce
A tarde esvai-se na planura escaldante
E o pássaro do sul se vai esfuziante
Na esperança que amanhã se repita
O restolho debaixo dos pés crepita
E o sol tórrido aos poucos esfumou-se
Mais não é que quadro arrebatado
Uma miragem dos dias de calor
É pincel tela e tinta ao nosso lado
É alento coragem e fervor
De um dia intenso quase acabado
LUMAVITO
20170114
CLXXXV
De muitas figuras se faz um povo
De figuras destacadas o seu carater
Se for preciso atrás voltar
E erguer-se de novo
Porque não
É a luta que marca uma vida
A alma duma nação
Não partiu sua memória
Permanece dele a coragem
Foi por todos arauto da liberdade
E o desprezo pela glória
Nunca pretendeu viver do consenso
Todos os dias controverso
Foi pra nós desapegado exemplo
Em busca da maior diversidade
Marcado fica Sete de Janeiro
Com ele se regista
Liberdade primeiro
Se cada um disser ao que veio
E ao falar não perder o freio
Alguém que não goste
Que se lixe
“Soares é fixe”
LUMAVITO
20170108
CLXXXIV
Em cada aspeto da vida, é inegável que não consigo disfarçar que tenho opinião sobre todos os acontecimentos no mundo à nossa volta. Para mim, é difícil não formar opinião sobre todas as coisas que nos dizem respeito a todos, como elementos da sociedade. Não faria sentido pertencermos a essa mesma sociedade, e ao mesmo tempo, não participarmos nas discussões que a nós dizem respeito.
Aliás, essa era uma conduta moral defendida pelo anterior regime político, em que a política deveria ser participada apenas pelos agentes políticos. Na maior das contradições, a seguir negava-se o direito à defesa de opinião contrária, nomeadamente por parte da oposição que, de algum modo, atuava sobretudo na clandestinidade.
Seria bem mais cómodo não me pronunciar sobre alguns temas, no meio social em que nos movemos. No entanto, a autenticidade obriga a que, para nós, o mundo não seja uma coisa de pouca importância, e o participar na discussão da coisa pública é, quanto a mim, um imperativo de consciência. Não faço disto um confronto, mas sim a minha participação.
Viver em sociedade pressupõe partilha dos contributos e dos desfrutos.
Naturalmente, cada individualidade contribui com a quota-parte natural e razoável, para o bem comum. É suposto que cada um contribua, na medida das suas faculdades. É suposto que cada um deva receber dessa mesma sociedade, o suficiente para as necessidades de existência, de acordo com os parâmetros de dignidade humana que cada cidadão merece.
É neste contexto que, neste momento, encaixo a notícia da morte de Mário Alberto Nobre Lopes Soares, com uma história de 92 anos de luta, e que ocorreu no Hospital da Cruz Vermelha, pelas 15 horas e 28 minutos, deste mesmo dia 7 de Janeiro de 2017.
De facto, a sua história pauta-se pelas opções que Mário Soares decidiu tomar, ao longo de toda a sua vida, em prole do serviço ao bem público. Filho de ex-ministro da 1ª república, formou-se na faculdade de direito de Lisboa. Cedo se envolveu em ações de contestação ao regime político vigente, até ao golpe do 25 de Abril de 1974.
Com a formação de advogado, em vez dessa, a sua vida foi orientada para a política. Poderia ter enveredado pela advocacia, poderia ter sido professor, poderia ter seguido os caminhos dos negócios da família; em suma, poderia ter tido muitas outras profissões.
O ímpeto que a verticalidade de caracter lhe conferiu, ditou que o seu rumo fosse a política. E os reveses foram marcantes, durante todo o percurso. Preso por diversas vezes, foi deportado para S. Tomé e Príncipe, e acabou exilado, até ao 25 de Abril.
Homem de convicções profundas, foi militante do Partido Comunista Português, fundou vários movimentos políticos, entre os quais a Resistência Republicana e Socialista. Em 1973, em conjunto com diversos elementos defensores dos mesmos ideais, funda o Partido Socialista.
Dotado de um caracter marcante e frontal, nunca enveredou pelo unanimismo, conferindo à sua ação o inegável direito ao contraditório, um defensor acérrimo da liberdade, promovendo a diversidade de ideologias políticas, contrárias à sua. Foi ele que incentivou Freitas do Amaral a criar o CDS, a fim de preencher um espetro político mais alargado, por forma a dar lugar ao contraditório.
.Frontalmente contra os consensos , e de uma coragem moral e física incontestável, elevou a liberdade como o foco máximo, no exercício do bem público
Nos momentos mais difíceis na política portuguesa pós 25 de Abril, Mário Soares não se eximiu a tomar posição, e a lutar em defesa do que entendia ser a solução mais correta para cada situação a resolver. E habituámo-nos a vê-lo defender posições que se vieram a revelar posteriormente, ser as mais corretas, não pretendendo defender a razão, antes de a ter.
Já de idade avançada, quando tudo defendia a proteção e resguardo da sua figura, foi à luta, em defesa das suas convicções.
Se tivesse que publicamente, ler estas palavras que agora escrevo, seria com voz embargada que tal discurso soaria. A comoção é incontornável para quem comunga de princípios ideológicos, e de caracter, com um defensor da liberdade, a quem apelidaram também, de animal político, tal o instinto genuíno para “gestão das nações”, o paradigma da política.
Imbuído deste espírito, apetece-me repetir o solgan cada vez mais atual, e que contém um misto de gratidão, e reconhecimento dos valores defendidos por esta figura de dimensão mundial:
“ Soares é fixe!”
LUMAVITO
20170107
Tentacular
Oculto
Move-se no quotidiano
Disfarçado de mundano
Faz da vida um tumulto
Envolve-nos nuvem espessa
Numa atmosfera irrespirável
Faz de nós corpo imóvel
Até que o sufoco aconteça
LUMAVITO
20170105
CLXXXIII
No silêncio da duna adormecida
Arrasta-se onda atrás de onda
A voz suave do mar envaidecida
E o som brota liberto em cadeia
Deslizando a espuma na areia
E haja algo que lhe responda
Pela minha alma renascida
Se no bloco lhe dei ouvido
Em troca ganhei esperança
De captar qualquer ruído
Por entre tanto cuidado
Tanto carinho e confiança
Ouvir a sua voz pausada
A magia do som recuperada
É prudente e faz sentido
Sentidamente agradecido
LUMAVITO
20160909
CLXXXXII
(Dedicado à Drª Rita Lameiras)
Ele domina tudo o que lhe aparece
E sabe tudo o que lhe tentam ensinar
Conheço as manhas de quem tudo conhece
Se passar um dia sem nada aprender
Estarei decerto mórbido de corpo
E a alma ignorante tende a vegetar
Se algué nasce desequilibrado e torto
Ninguém o poderá endireitar
LUMAVITO
CLXXXI
20160813
LUMAVITO
CLXXX
20160810
AO DE LEVE
Vertiginosa e louca a vida flui
Os dias correm como um turbilhão
O fulgor dos verdes anos se dilui
Passa o homem como mera personagem
Do seu rasto apenas se regista a ação
Consome-se como se fosse leve aragem
O tempo não é mais que o efémero
Levado ao produto final da ebulição
Ou como mera molécula de oxigénio
Viver não é um imaginário convénio
É embebedar-se da genuína satisfação
É o sincero carimbo do prazer terreno
Com a alma simples de ser grande
É o gume da espada que se brande
Num caminho trilhado bem pequeno
É o cunho bem forte sério e sereno
E se a vida pode ser uma festa
Com ela virão sonhos e quimeras
Comemoremos juntos agora esta
Por entre tantas vindouras primaveras
LUMAVITO
CLXXIX
20160730
(Dedicado ao aniversariante João Miguel Pereira)
E se o sol é posto no horizonte
É o que está em mim defronte
Que me anima decerto ir em frente
É o sonho que nasce em mim no presente
E a mente se vai do corpo e irrompe
Nos socalcos do Marco
De repente
LUMAVITO
CLXXVIII
20160716
Dedicado à dançarina do Marco de Canaveses
É o atroar do rugido de revolta
De uma nação inteira a torcer
É a alma dum povo que se solta
De quem não se deixa abater
É um sonho da vontade envolta
Da força de novo dia a nascer
LUMAVITO
CLXXVII
20160711
(Homenagem à seleção portuguesa, campeã europeia de futebol 2016)
Apetece-me navegar sem destino
Velejar perdido saboreando o vento
Sentir que a urbe está bem longe
E o horizonte seja lugar clandestino
O relógio seja máquina sem tempo
Que a brisa seja perfume e sustento
Quero ver do extenso mar
Irromper o sol de oriente
Quero ver a grande estrela solar
No zénite mais quente
Quero vê-lo curvar-se no horizonte
Lançando ancora a ocidente
Contemplar o meridiano celeste
Sem vivalma que à vista se aponte
Bem longínquo do deserto agreste
Cruzar os mares em contramão
Quero saborear no mar a solidão
LUMAVITO
CLXXVI
20160629
Gira a bola
E a paixão cresce
O mundo real
Em mutação constante
Alucinado
Torna-se estanque
Não permite oxigenação
E de seguir em frente
Os sonhos como glória
Os pesadelos como fatal
Numa razão decadente
Corações arrebatados
E de diversa dimensão
Pela vitória
Dilatados
Pela derrota
Em contração
O estádio é a plateia
O palco a relva verdejante
O adepto é o fervor
Em contenda a bola saltitante
O jogador seu exímio ator
E no final corrido o pano
Os aplausos aos melhores atores
Os outros
Cabisbaixos
Os juízes de bancada
Excelentes doutos
Continuam em palco
Fazendo parte dos vencedores
LUMAVITO
CLXXV
20160613