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Se por Ventura
O Tema
De discussão
Ainda é tema
Há que discuti-lo
Com voz serena
Se por Ventura
O Tema
Já não é tema
Dispensar-lhe tempo
Não vale a pena
É desperdício
Para tanto ofício
Subir à montanha
Talvez arrefeça
Febre tamanha
Na tua cabeça
LUMAVITO
20160124
CLXVI
O sol deprime escondido
E os corpos verticalmente assustados
Ainda assim persistindo
Desafiam o rigor da chuva
Levam os putos ao infantário
Ainda sonham
Têm esperanças de viver desafogados
Correm pró metro
Deslocam-se adormecidos no subsolo
O trabalho é cumprido a preceito
Comem de pé
A bucha enfeitada em casa
Desfiam as gordas
Nos jornais do quiosque
Voltam a devorar o trabalho
Até às tantas
Não vá o chefe reclamar
Correm pra casa
Com o cansaço estampado no rosto
Calam os putos com os fones
Enquanto caldeiram o jantar
O sofá mostra-lhes a novela
E o debate dos políticos
Fazem amor a correr
Antes que seja manhã
Pra dar para ainda dormir
Antes que seja outro dia
Vociferam o futebol
Entram na dança das novidades do bairro
Levam os putos ao centro comercial
Devoram o fim de semana
Sem pensar no fim afunilado
Desta vida encurralada
A reforma enfia-lhes o chinelo no pé
Arrastam –se desalmadamente no tempo
E o horizonte é o cinzento da noite
Até que o sol se apague
LUMAVITO
20160123
CLXV
No regaço dos dias tristes de inverno
Com vinho regas
O olhar melancólico do cinzento dos céus
E o andar trôpego na estrada lamacenta
Trambolhando nas pernas em ziguezague
Do lado de lá da vedação
Da feira de vaidades e ostentação
Com vinho regas
As migalhas de um pão ressequido
De uma festa outrora comemorada
Na quietude dos tempos parados
Com vinho regas
Os soluços os tremores
O medo da solidão do espaço sem fronteira
E os caminhos sem destino nem paragem
Na solidão da noite da cabana
Com vinho regas
O murmúrio do vento e da chuva
Que recortam em pedaços
A algazarra do silêncio persistente
Na enxerga vomitada dos teus pesadelos
Com vinho regas
Um passado com a textura de cortiça
A dor profunda de um presente envinagrado
E um futuro de espírito angustiado
Na esquina da rua dos remediados
Com vinho regas
A calçada amaciada pelos transeuntes alucinados
E o fel que penetra pela manhã
Da ressaca com acordes de melodia enfadonha
Debaixo do céu da ponte
À entrada da cidade das confusões
Com vinho regas
A enxurrada no rio que passa a teus pés
E não te lava os estragos da dependência
Por cima do céu da ponte
Com vinho regas
A ilusão do autocarro que te levaria à cidade
Onde ainda sonhas ser feliz
Mas os autocarros passam e não param
Na porta entreaberta do desespero
Com vinho regas
As sombras que pululam à distância
E o teu corpo é o selo do desespero
Sem perceber que o fracasso não é razão
E com vinho regas
A tua sorte que não tem sorte
E afogado no desvario
De uma pinga fermentada na ilusão
LUMAVITO
20160123
CLXIV
Um Dois Três
Um Três Cinco...
Números Algarismos
Oitocentos e Vinte e Seis
Gestos
Oito Dois Seis
Repentinos
Olhares Sinais Interrogações
Sessenta e Seis por cento
Um cálculo
Seis Seis Percentagem
Ajustada à miséria
Quarenta e Nove
Sensação de arrepio
Quatro Nove
E os pelos dos braços
Eriçados
Porco espinho
Dezasseis ao quadrado
Gritaria
Um Sete Expoente Dois
E ninguém se entende
Zero mesmo Zero
O objetivo
Não se cumpriu
Vinte e seis ao cubo vezes
Abrir parenteses
Quatro mil elevado a cinco
Fechar parenteses
A dividir por um
Ao quadrado
A senha dourada da sorte
Vezes a raiz quadrada de um
…
Calhou a outro
Do tempo da pedra
À volta da roda
Pelo tempo do ferro
Do tempo das máquinas
Brotam os robots
Como coelhos da toca
Dezassete e onze
Números primos
Mas não de família
Ordem de urinar
Porra
Deixem-me mijar calmamente
E à minha vontade
Perdi o filtro
E a mistura do combustível
É cada vez mais pobre
Não lhe faltando octanas
Se sonhar ser um violino
Toque o hino esmagado
As coisas são assim
A vida é assim
Só os números têm razão
Produtividade
As mães portuguesas
Pouco renderam
Apenas pariram
Oitenta e nove mil
Em dois mil e quinze
E aumentou o défice das contas
Dos camelos para trabalhar
Trinta e um
Mais um que não pagou ao fisco
Três Um
Rico trinta e um
Tramado
Trinta e Nove e Meio
Ordem de adoecer
Três Nove Vírgula Cinco Zero
Sem remissão
Febre Diarreia Vómitos
Mil Novecentos e Noventa
Fantástico
Um Nove Nove Zero
Mil Novecentos e Oitenta e Três
Brutal
Um Nove Oito Três
Mil Novecentos e Cinquenta e Oito
Persistência
Mil novecentos e cinquenta e seis
Fantasia
Um Nove Cinco Seis
Tempo Efémero
Evaporação Erosão Desgaste
Mil novecentos e setenta e Nove
Conquista
Um Nove Sete Nove
Perseverança
Pausa
….
Para contar
……..
O carro custou
Dezassete mil quinhentos e oitenta e um
Em dois mil e oito
E percorreu
Cento e noventa e cinco mil e setecentos
E a fé
A fé mede-se em euros
Ou em dólares
Quem sabe se em barris de brent
Essa fé no precioso metal
Que tudo regula
E nada germina
Na sua ausência
Não tem clorofila
A raiz quadrada do desemprego
Resume-se a meros
Três virgula cinquenta e dois por cento
Isto porque já não contam
Os que já não recebem
Quatrocentos e dezanove euros
Se chora
É emoção
Se ri
É parvoíce
Condenado ao abandono
Pelo meritíssimo juiz do tribunal
Das contas ridículas
E dos números vigarizados
Tantas contas
Vazio de emoção
A não ser de frustração
Cheira mal
Petrifica
Cada pensamento
Tem um número associado
E sinto-me código de barras
Só os sonhos não são divisíveis
Apenas exponenciáveis
Finalmente fez-se luz
E os mercados têm arreigados sentimentos
Quer pela instabilidade da economia
Quer pelas bolsas
Que vão tendo consciência
Do que é importante
Nesta cruzada de amor eterno
Pelo dinheiro
Nobre BPN que nos enterraste
Amigo BES em agonia irreversível
Saudoso BANIF que explodiste
Só vós sabeis
Os sentimentos genuínos
Dos valores mobiliários
E o quanto é importante
Que haja milhões de tansos
E idiotas
Que tudo aceitam
E tudo pagam
Geometricamente
Um seno
Ou uma cossecante
À tangente
E teoricamente um Thales
Um Arquimedes
E nem sempre a vida
É uma regra de três simples
Talvez muitas mais
E bem complicadas
Tamanha poluição numérica
Numa existência tão terrena
E árida de emoções
E a sensação de ser EU
É tão rápida e amarga
Cada movimento obedece a um cálculo
Merda… de vida
Feita de autómatos
E as pessoas que ousam pensar
Estão em extinção
Reproduzam-se
E cultivem-se
Talvez assim sejam menos manipuláveis
Afinal
Os sonhos são mensuráveis
A avaliar por este meu distúrbio
Que encerra com uma horrenda dor de cabeça
Que orça em três mil miligramas de paracetamol
Portanto
Os sonhos
Avaliam-se em quilos
Indignos
São os números que nos regem
Estas correntes que nos amarram
Os que os manipulam
Pelo seu mesquinho interesse
Soberba
Só a consciência
De viver digna
E pacificamente
Connosco próprios
LUMAVITO
20160113
CLXII
Melancolicamente arrebatado
Numa folha de papel
Alguns lápis
Mágicos lápis de cores
Imaginação e um olhar profundo
Os traços fluem como sentimentos
A mão
Em redondos movimentos compassados
O sol nasceu há muito
E já se põe
A mescla de cores no céu avermelhado
Em osmose com o horizonte longínquo
Do mar
A paisagem e o momento
Eternamente registados
Como se o tempo não deslizasse
Ao longe
A marcha dum navio mercante
Conjuga-se com o silêncio
Do infinito
E ali fico
A pensar nesta janela paradisíaca
Que o mundo nos dedica
Fundem-se o olhar e o espírito.
LUMAVITO
20160106
CLXI