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A vida gasta
Trajetória ovalizada
Arco ogiva
Entre o longe e o perto
Passa o sol
Fogo chamas
Brilho cintilante nos olhos
A luz que irradia
Consome lenha
A paz a arder
Caldeirão fervilhante
Circulo incandescente
Palavras fogo
Queimadas
A cinza no vazio
Dos dias consumidos
LUMAVITO
150829
CL
Chove copiosamente
E os pingos
São como setas perfurantes
Bactérias disseminadas na pele
O bicho consome lento
O vigor
A força bruta
Que venceu tantas batalhas
E aos poucos se esvai
Esta guerra sofisticada
Gizada na escuridão dos dias
É permanente
A erosão desgasta
A resistência mais perene
E o silvo do comboio que passa
Desconcentra o mais atento
Chove torrencialmente
Encharcam-me as palavras fingidas
E os pés ensopados
Nesta lama constante
Esta simulação de humanidade
As sílabas envenenadas
Que amolecem
Esta pele intumescida
E penetram bem fundo
Mais fundo que o silvo do comboio
Chove torrencial
E brutalmente
No largo alagado
O homem debate-se
Com a enxurrada de palavras
O típico sufoco sádico
De abafar
Quem já quase não respira
Chove desalmadamente
E não abranda
LUMAVITO
20150829
CXLIX
Notas soltas atracam no papel
Engordando ideias amotinadas
Esvoaçam vadias com tropel
Como velhas gaivotas assustadas
São resquícios de cada dia
Assuntos pendentes na berlinda
Encorpando a eterna teimosia
De que a sensatez prescinda
Palavras brandidas como baioneta
Que o vigor da paixão exalta
Na sombra esguia da caneta
Vai a lua correndo bem alta
Imploro que me larguem
Ou façam algumas pausas
O tempo impõe outra viagem
A empreender novas causas
LUMAVITO
20150824
Dias eram os que escutavam
Os gemidos do tempo do tédio
Em cada passo uma angústia
E os dias eram como noites
O tempo não rolava
Por entre a escuridão da estrada
Os cafés estavam vazios
E nas casas só o silêncio eremita
Dias eram como noites longas
E o mundo chegava
Pela televisão da casa do povo
E o monótono
Era cortado pelo circo mediático
Do comentário momentâneo
E qualquer acontecimento fútil
Era caso de admiração
Dias que foram tantos dias
As perguntas e o desassossego
Andavam de mão dada
Só o domingo uma rotura
No marasmo instalado
Horizonte sem futuro
Matador de projetos
E a esperança era redonda
Como redonda é a rodilha
Do cântaro que vai à fonte
Dias que foram longos anos
Aos domingos a missa
E o padre
Único agitador de consciências
Suscitava a atenção
Pela raridade de bem falar
Os temas mediáticos
As alminhas sequiosas
Na única fonte de conforto
À mão iam beber
Talvez num outro dia
A esperança de mudança
Ultrapasse a quimera
E tal como o magma fervilhante
Encarcerado
Ciclicamente se expande
E ressuscita o vulcão
Talvez este povo acorde
E entenda com acuidade
Viver a revolução
Talvez um dia seja feriado
E a mansidão esgotada
Talvez um novo vinte e cinco
De madrugada
LUMAVITO
20150821
Sinto-me perseguido pelas colinas
Jornada de sombras do enigma
Dilui-se o vale e a encosta
O nítido breu no meu olhar
Já não estou no que ficou
Só o fantasma das trevas me acompanha
Na penumbra sedosa do riacho
As sombras agitam-se
Como corpos esvaziados
Por entre o dogma da noite
Escutam-se os sussurros
Nos recortes latejantes do arvoredo
E o moinho consome
Toda a água que corre silenciosa
LUMAVITO
20150819
Estradas caminhos
Tão curvos tão duros
Árduos escaldantes
Caminhos cansaços
Carreiros solidão
Gargantas estreitas
Atalhos cruzados no labirinto
Rastos marcados
Na poeira dos dias
Neste percurso sem fim
Tarefas incompletas
Que deslizam
Como se este caminhar
Fosse num único sentido
LUMAVITO
20150819
No degrau desgastado da porta
Reclinei-me sobre mim
E pressinto que adormeci
Ouvindo sussurrar em mim
Uma voz que me ecoava
- Desperta dessa letargia
Que eu vivo atormentado em ti
Despertando
Não mais parei junto a mim
E nunca me encontrei
Na viagem infinda
Subi à montanha
E a olhar de lá de cima
Despontou outro eu
LUMAVITO
2015/08/08
Os teus olhos brilham
Como depósitos de intensos desejos
A carne e o sangue fervilhantes
Corpos nus entrelaçados
Saciados no instinto natural
A voz encorpada em sussurros
Olhares coniventes cruzados
Esboçam sorriso de malícia
Talvez antes de regozijo
Como se o mundo não existisse
Nestes momentos
E o segredo do instante
Fosse só nosso
Nas tuas mãos suadas
As emoções escorrem entre dedos
As unhas cravadas na minha tez
Em vez de dor
Um impulso enorme
De exultação
Agitam-se os poros no êxtase
Da alma ao rubro
No silêncio do nosso cantinho
Sonhar a vida longa
Com o tónico do prazer
E do encanto permanente
Como se a força física
Fosse diploma conquistado
E o pudéssemos exibir
Para lá dos noventa anos
E essa pujança
Fosse irmã gémea do desejo
E a voz do amor
Fosse o silêncio
O grande contentor do desejo
Poder inflamado da paixão
LUMAVITO
2015/08/08
Ser primata pensante
É perceber
Que nem sempre encontro explicação
Para o que se afigura estranho
Mas é também saber
Que é a minha condição de humano
Que não me expõe o natural
Para criar esse conhecimento
Desbravar é a minha tarefa
LUMAVITO
2015/08/08
Enigma é criação da faculdade de pensar
E essa só está ao alcance dos humanos.
Decifrá-los, é tarefa incontornável.
LUMAVITO
2015/08/08
Persigo-te ansiosamente
Desde que me conheço
Quero ouvir a sonoridade do teu poema
Embrenhar-me nos teus enigmas
Sem que a melancolia me tome
Aguardo-te no limbo inquietante
Das incertezas
Quero ser o teu sorriso
LUMAVITO
2015/08/08
Não te escondas
No cinzento agonizante do infinito
Por ser grande não é imperativo
Recorta-o
Entoando a tua voz
Na solidão que paira nos céus
Para que o vazio não se perpetue
LUMAVITO
2015/08/08
Calçada preta e branca Rendilhada Na avenida
Ruas fervilhantes De luz Cheias de vida
Olhar errante dos transeuntes
Em rápidas incursões Pelas montras
O sol nas águas do lago E no banco de jardim
Jovens aos magotes Em permanente festim
Imponente A ponte Por cima da cidade
Comboios serpenteantes Em alta velocidade
Os cacilheiros nervosos Em fio
O Tejo E as águas do rio
Buliçosas Ao longo da margem
Ao desafio Com os olhos da garotagem
Na praça Ao luar o bailarico
Na viela à janela o manjerico
O gato o melro E o voo da gaivota
O petiz atrás da bola e a garota
Pregões Incendiados De varina
E o castelo Sobranceiro No topo da colina
Os carris Do elétrico amarelo
Entradas para o metro Lá no fundo
Autoritário O semáforo Vermelho
O cão O mendigo E o velho
No silêncio soberbo
As gentes da cidade O acervo Sem verbo
LUMAVITO
15/03/2015
Com a mão se dá
Com a mão se tira
Assim se faz justiça
Da verdade que é mentira
Hoje convém-nos assim
Amanhã a verdade
Tem outro fim
Como mulher vadia
Com voto de castidade
Verdade não é rigor
Nem mentira é falsidade
Seja lá o que for
Meias verdades Ocultações
Talvez até necessidade
Sobreviver às próprias limitações
LUMAVITO
05/08/2015
Economia é ciência oculta
Tão oculta que do lado de cá
Dos pobres e mal remediados
Mal se enxerga
Se não estiverem atolados
Se o não estiverem
Não há nada que se erga
Se na economia de merceeiro
Há o “DEVE” e o “HAVER”
Presumimos então
Que pra nós
Deve haver bem pouco
Ou não
Sobra um tostão
LUMAVITO
25/05/2015
Levar a carta a Garcia
Ou trazer capas de gaspear
Será raspas de capear
Ou cartas de embalar
Já não sei
Se é algo sem regra nem lei
Fico tonto
Confuso
De saber que já não uso
Os correios para tal
Eles vendem tudo
É um negócio chorudo
Sobra o código postal
Correios é pra investir
Pra vender livros de mentir
Ou então sonhos de fingir
Que sonho ir aos correios
Levar por próprios meios
Esta carta que faz rir
Não mais é possível
Correios não é mais nosso
É pra arranjar caroço
Pra quem mais tiver
Não é pra enriquecer
É de promover o crescimento
Da riqueza acumulada
E o resto sem nada
Assim se faz este viver
Longe vão os tempos
Da pujante mala-posta
Levava a correspondência suposta
De Lisboa até ao Porto
Em tempos há muito idos
O caminho era torto
Por entre o Casal dos Carreiros
Para os primeiros carteiros
Pioneiros da resposta
Por entre buracos da estrada
Na corrida apressada
Vertiginosa Infernal
Até à capital
Buracos na estrada
Quem a esburacou
Foi tanto artista que por cá passou
Que os buracos de ontem
São os mesmos de hoje
E se acossados
São quem mais foge
E o correio é pra saldar
Mais não é que roubar
É tudo o que o homem do caroço quiser
Só não é pra o que devia
Enviar uma carta a Garcia
Por muito que alguém queira
Esteja lá onde estiver
As ideias são minhas
O dinheiro não é meu
A única coisa que tenho
Além do que sonho
É sobretudo dever
Devo impostos submissão fiscal
Querem eles valores omissos
Fidelidade aos compromissos
Imponho-me eu
Nem que fique sem tostão
Queiram esses ou não
Continuo a dever
Vassalagem fora de questão
Por mais que me amarrem
Devo a mim próprio outro bem
A liberdade de pensar
Pensar diferente
Sem algemas morais
Essa liberdade que vale mais
Se quiser cada um tem
Se não se resignar dia a dia
Chegará a carta a Garcia
LUMAVITO
12/06/2013
Se algum dia
Os dias quentes se esgotarem
Corre ao centro comercial
Haverá sempre uma loja
Que os terá para venda
Basta andares umas horas no ar
Regressarás desejoso
De um dia primaveril
Não há dinheiro que o pague
LUMAVITO
29/05/2015
Que nem cães
Prestes a serem atropelados
São cães sem rosto
Os humanos acossados
Com o medo de perder
A posição
O posto
O lado cómodo
E acomodado da vida
Rouba-lhes a máscara da virtude
E escancara o propósito na atitude
A dignidade troca-se
Por qualquer lugarzito
E numa simulada mansidão
Sabe-se estar
Ou não
É o dinheiro que os motiva
Sem ele
São como gatos
Em telhado escaldante
Em cada pé que assentam
Sem jeito
Recuam
Desequilíbrio
Escorregam
Até se estatelarem
No chão acidentado
Que desconhecem
Hilariante
Se não fosse angustiante
LUMAVITO
05/08/2015
Desfralda a vela
Levanta âncora
Solta-se do porto
Segue o rumo
Onde o mar é mais profundo
As gaivotas sobrevoam
O espaço aéreo do veleiro
As cordas os nós das cordas
Os mastros as roldanas
O leme e a ré
As ondas e o baloiçar
O dia inteiro
O vento e a maré
Sonhos de ser marinheiro
Quis a carta de marear
Tantos termos
Eu sabia
Devia dar para aprovar
Resultado eloquente
Do teste que não exame
A carta?
Zombaram
Só se fosse de marinar
Em tina de água doce
Não esperava tal vexame
Um momento que fosse
Entendia-me eu
Entendedor do mar
Submergi em frustração
Submeteram-me a um teste
Mas não examinaram
Do mar a minha paixão
Ficou por medir
O nível de brisa marinha
No meu corpo
Nem mediram a pulsação
Enquanto contemplo as ondas
Bem longe da civilização
E das práticas hediondas
O punhal sempre à espreita
Onde tudo nasce torto
E nada se endireita
Não sabem nem sonham
Quantos glóbulos vermelhos saltitam
Com a espuma
Que se dissipa na areia
Nem sequer requisitaram
Teste de função respiratória
Quando me deixo balançar
Ao sabor das ondas
Quis-lhes dizer
Que na praia vivo o seu ecoar
Com a mesma dependência
Do ar que respiro
Mas não me ouviram
Acham-se eles os donos do mar
Nem sei
Se esta febre de privatizações
Não atinge a venda do mar
Pelo todo ou a retalho
Aos senhores
Exímios em especular
As nossas águas
Já nós vendemos
A troco duns subsídios
O direito à pesca
Para abate das traineiras
É uma farsa dantesca
Só tempos depois entendemos
O veneno das carpideiras
Ainda assim vou continuar
Contra a sua vontade
A ouvir a nostálgica voz do mar
Que ecoa na praia
À luz ténue do luar
LUMAVITO
27/06/2015
É visceral
Entranha-se indelével
A real amizade
Resiste
Para lá do infernal
A outra vai-se
Ao primeiro percalço
Desnuda-se
E roda pé descalço
Não passou
De frequentes encontros
Agradáveis
Palavras simpáticas
Terríveis desencantos
Desmontada
Evaporou-se
E nada ficou
Nada
LUMAVITO
04/08/2015