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LORPA

por avidarimar, em 13.04.15

Intitula-se de amizade

O fiscal das finanças

Borra os lábios

Com suavidade

Pinta as unhas

Saia subida

Vai ao cabeleireiro

Passeia-se na avenida

Modo sorrateiro

Senta-se na esplanada

Que atraente

De perna traçada

Desorienta tanta gente

 

Passa o palerma

Arregala o olho

Morde o isco

Quando fugia ao fisco

Declara-se apaixonado

Percebe um sorriso

Cai na artimanha

É espremido

Na teia da aranha

 

LUMAVITO

10/12/2014

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publicado às 23:56

LEONOR

por avidarimar, em 13.04.15

Conheceu Leonor a cidade

Tinha ela dez anitos

Que fizeram memória

Em singela história

Três dias em Abril

Na ingénua cabecita

Vinda do meio pastoril

 

Ouviu o pai Tóino falar

Que matariam um borrego

Ao estomago aconchego

Cozer pão alvo e broa

Para levar aos primos

Que vivem em Lisboa

 

No dia certo    Ou antes

Certa noite     Quatro e meia

A mãe Rosa chamou Leonor

Julgava a mãe            Calma             Sem alarido

Nônô em sono seguro

Só agora interrompido

Mal sabia que a fedelha

Nem olho tinha pregado

Tal a ansia no olhar

E a pulga na orelha

 

Deu um salto na cama

Três cabazes cheios   Uma alcofa forrada

Com quatro dúzias de ovos    Uma lata de azeite

Um garrafão de palheto

Coisa que os alfacinhas                     Já esqueceram

Uma galinha de pés atados

Um saco de batatas   Uma seira de couves

Queijos apimentados.

 

Queria rápido sair da aldeia

E lá foram de carroça

À luz da candeia

Até à estação do comboio

Por cima de qualquer poça.

 

Tudo o que no escuro                        Repousa

Na memória   Registada

As rodas grandes        Em metal duro

Degraus de chapa perfurada

Onde o pé pousa

Janelas a todo o correr

Mais o apetite afiava

Árvores águas sítios   Casas   Pátios

Corriam lá fora                      Sempre ao contrário

Uma figura crispada Tom antipático

Voz abagaçada                       “O seu bilhete!”

 

O nascer do sol                      Ao fundo da paisagem

E o som metálico veloz

Intercalado     “Com paragem

Em todas as estações e apeadeiros”

Cabeça de fora, leve aragem

Tom elevado na voz

Ver apregoar aguadeiros.

 

Quando já refeita no ardor

De tantas coisas novas                      E se acomodava

No banco rijo Mas encantador

Tudo o era      Tudo espantava

A minhoca deslizante

Abranda e imobiliza-se                      Após viagem fatigante

“Na estação de santa Apolónia

Vindo na linha do norte         Parado na linha numero dois”

Em profunda babilónia.

 

Portas escancaradas

Pai Tóino desce os degraus   Para a gare da estação

Mãe Rosa entrega-lhe os volumes

Um a um até ao último                     O cesto dos legumes

A galinha de pés atados         No meio da confusão

Mais morta que viva No piso da composição

Depositou       A sua marca substantiva.

 

Pai Tóino tira a boina

Indicador apontado    A contar a mercadoria

A mão escorrega da meia careca

Em sinal de satisfação

Tudo chegou inteiro   Incluindo o garrafão.

 

Largos minutos até sair

Fora do terminal        Santa Apolónia

Sem que se queixasse            Qualquer dentista

Sua padroeira

Sem que do facto       Haja realce

Foram os volumes saindo      Entre tanta canseira.

 

Cheira a mar Odor intenso do Tejo

Agitação desconcertante

Assusta ver

Tanto carro     Tanta gente

Tudo em tamanho      E quantidade

Forma inusitada

A garota espantada

Repleta de encantos

Frente a tamanho      Reboliço

Olhar insubmisso

A precaver maiores espantos

Face de sorriso retraído

Sem se atrever a dar passo

Que não fosse medido.

 

Vindo do lado dos cafés

Mais tasca para alguns

Ali bem perto do terminal

Se aguardada por uns

Surpresa de corar da Lurditas

Surge figura que berra

“a fedelha está grande,

É o que fazem as couves lá da terra”.

 

“E os tomates também”

Riposta o pai

Para continuar a graçola

“Ó Toino, tás gordo

Fazem bem os ares    Da aldeola”

“A Rosa é que continua um palito

Não te canses, mulher

Tens de andar mais no burrito”.

 

Do entusiasmo                       Voz esganiçada

O Jaquim        Primo do Manel

Vai para dezanove anos

Motorista da CARRIS

A boiar dentro da farda

Dando fim à palheta

Vai pegando nos volumes

A caminho da caminheta

Mesmo ao jeito

De quem levanta barris.

 

Quem diria     Pensou Lurditas

Que tinha primo famoso

Em Lisboa       Conhece a cidade por inteiro

Mal sonha ela            Que as tascas do melhor tinto

                                        Em cada rua ou bairro

São certos no seu roteiro.

 

Até à casa do primo   Á baila

Vieram os assuntos importantes

A ponte nova Para o lado de Almada

O metropolitano

Que passa       Por baixo da avenida

Do Salazar      A queda da cadeira

Entretanto desmentida

O Eusébio, o Benfica

O azar             De quem de lá da terra

Tentou passar a fronteira.

 

À pequerrucha                       Nada chegou

A não ser o que, na rua

Era pessoa, carro, montras

Ruas sem lama

Candeeiros a tocar o céu

Jardins e pontes

Terras que ninguém amanha

Prédios aos montes

Estradas que passam             Por cima doutras

Coisa estranha.

 

Compacto de sentimentos

Entusiasmo esfuziante

Esquecendo a fome    Mais que muita

E da amarela

Apesar da bucha matinal

Trincada junto à janela

Do comboio trepidante

A caminho da capital.

 

Alto toucado   Que encanto

À chegada, a prima    Querida

Tinha beijos    Muitos beijos

E espanto

Pela miúda tão crescida.

 

Pronto já tinha

Um arroz de salsichas            E pimentos

Coisa fina        Requintada

Com faca e garfo

Etiquetas a rodos

E imagine-se

Guardanapo para cada um

Copos finos para todos.

 

“Deixa lá as etiquetas

Lá por             À mesa teres

Garrafa de rosê

Nada há          Como o garrafão

Do tinto lá da terra”

De concreto

Vindo dos socalcos da serra

No centro da mesa

Do palhinhas   Saiu palheto.

 

Festança         Feita de sorrisos

Piadolas          Sarcasmo

Larachas         Entusiasmo

Montada de improvisos

Beijinhos à garota

Corada na face

“Esperta a magana

Parabéns pois ficou bem

No exame da quarta classe”.

 

As ovelhas esperam

O cão como estará

Regresso é no domingo

Após lauto almoço

Recheado de conversas

E lérias

Bem regado    Ao lado dela

Desfeito o borrego     Ensopado

Depois da missa         Na capela

Da senhora da agrela.

 

Volta à tona no tempo

A história        Da miúda pastora

Jovenzita         Menstruada

Já parecia senhora

Volvidos três anos      Espigada

Das badanas   Guardadora

Três anos

De diálogo com o gado

E os calhaus mudos

Triste fado

Depois de cartas        Telefonemas

O caminho lhe ditaram

Para a lide doméstica           

Socialmente dominante

Continuar estudos

Para as ovelhas                      Irrelevante

Já que são elas

O valor importante.

 

Ansia crescente          Inchada pelo tempo

Viver em Lisboa         Primeira paixão

Da princesa da serra Rainha da solidão

Errante           À toa

Ao sabor da chuva      do vento

Pela serrania

Cansada de apenas cantar

Ingrata monotonia.

 

 

Dito lhe foi      Que iria para Lisboa

Já que a prima

Por quem a Lurditas   Tem muita estima

Conhece da igreja

Uns senhores distintos          

Não falta o dinheiro

Ouviu falar de                        “Senhor engenheiro”

Gente fina       Respeitada

Que pra criada reservou

Um mero vão de escada.

 

Aprender educação

Ter mãos finas

Usar de muito zelo     Bons modos

            Princípios        Formação

O cabelo         Cortar

Com a senhora dona

O preço da estadia

Trabalhar em maratona

Todo o dia

Comer             E calar

A troco de trinta chavos

Que o pai        Lá na terra

Faria por guardar.

 

Ainda a moçoila sonhava

Estranho ar     Se foi instalando

Vazio virou amargo

Corredor canto recanto

Na voz o embargo

No estomago Novelo

Instalado         Desencanto

Das ovelhas    Longe o balido

A serra                        As encostas

O olhar do cão           Certamente sofrido.

 

 

Já o dia ia alto

Crescia           

A pressão

“vai buscar” “limpa” “arruma”

“Assim não”

O mau estar que sofria

Se pensar coisa nenhuma

Garganta seca

O suor escorre da testa

Desnorteada   Perdida

Entra na biblioteca

Coisa imensa Medonha

Sem janela nem fresta

Sem luz          Aturdida.

 

As noites         Inferno

Mal dormidas Pesadelo

Engrossam marcas    De dor

No rigor           Do inverno

Os pés                         Um gelo

Só o espírito serrano Sofredor

A incita ao duelo.

 

Afinal

A cidade com tanta luz

Sol radiante

Cheia de orgulhos      Em cada instante

Tamanhas alegrias

Também tem Cantos medonhos

Casas frias      Recantos gelados

Tristeza nos olhos

Miúdos maltratados

 

 

No tempo        Novo salto

Bem sofridos quatro anos

Tempo amargo

De carinhos bem falto

Em precária semanal saída

Numa tarde de domingo

Em vez de rumar à casa da prima

Fingindo-se perdida

Molhada que nem um pingo

Da malita sacou alguns escudos

Primeira vez entrou

Na pastelaria da avenida

“A Princesa dos Vagabundos”.

 

O que pedir    Sem saber

Brilho nos olhos          Que cheirinho

Tantos bolos

Que pecado de gasto

Um café          Um queque fofinho

Doce    Tão doce

Ficaria ali nem que fosse

Até às sete da noite

Tal era o apetite.

 

Num relance cruzou o olhar

Com uma cara picada

Cratera das borbulhas

Ao canto da sala         Iluminada

O Joaquim Fagulhas

Frente a uma cerveja

Fita-a espantado

Pára    Pestaneja

Com o ar desconcertado.

 

Uma fuga programada

Certa semana

No rosto          Vergonha estampada

Da moça serrana

Numa tarde de domingo

Outros tantos encontros

Os dois

Cada semana Tempo infindo

Depois

Conversas e    Planos aos quilómetros.

 

Após oito horas de trabalho

Na dita pastelaria

Salto de gigante

Nunca sonhados         Altos voos

Mal disposta   Enjoos

Do que seria

Foi ao doutor especialista

Ainda no ar o tabu

Coisas sem ofensa

É questão de cagança

Chamar Ginecologista

 

No quarto alugado

Dum apartamento     Rés do chão enjaulado

O Joaquim      Alto     Magro

O mais novo da oficina

Metalúrgico profissional

Após dia infernal

Calça de bombazina

Ar abatido       Cansado         

Chave à porta

Buscando a Campesina

 

Beijos Carícias

Qual cansaço

Esfumou-se no abraço

Terno Intenso            Prolongado

Delírio de Delícias

Aquele coraçãozito acelerado

Sussurra-lhe algo ao ouvido

Pendurada no pescoço

O Moço          Aturdido

Imediato          Em alvoroço

Dois saltos      Corre à janela

“Escutai…        Vou ser pai”

Algazarra que se ouviu

No último piso

Volta atrás      Rasgado sorriso

Do tamanho do auto estrada

Olha para ela            A tão amada

Companheira de interações

Assim ficaram largos minutos

Recuperando das emoções

 

Recordam os pais       A família

Que antes a triturou

Com eles a quezília

Por ingrata

Três meses antes

Fugiu da casa do engenheiro

E se juntou

Com o serralheiro

Farta do jugo do dinheiro

Que o pai arrecadou.

 

Para trás         Com saudades

A terra                        As ovelhas

As encostas     A serra

Os bois em parelhas

“Farrusco” O seu cão

A mãe             Sempre na sombra

Sem liberdade de escolher

Sem direito a opinião

Condição         De ser mulher.

 

Nova vida        Nova sorte

Desfrutando novo mundo

Determinada   Mais forte

Com o sentimento profundo

Já com um anito

O orgulho do casal     O puto Joãozito

 

LUMAVITO

7/12/2014

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publicado às 23:53

SETE € MEIO

por avidarimar, em 13.04.15

Vinte degraus quase a pino

Doze horas corre o domingo

Lisos cabelos longos

Escorrendo as costas

Faces rosadas   Distingo

Blusa de losangos

Avental preto   Profissional

Que belo aspeto

O olhar na diagonal

Correndo a sala

Quase vazia

Mãos sobrepostas

Sorria.

 

Cadeiras              Quatro

Sentadas             As cadeiras

Castanhas           Rijas      Sem almofadas

Imóveis sossegadas

Olham pela janela cair as beiras.

 

Quatro que entalam a mesa

Guarda de honra em cada lado

Aos copos grossos cor esmeralda

Frios baços vazios           Encristados de

Guardanapo em grinalda             Emproado.

 

Pratos quatro    Estacionados

Olham o teto     Branco teto

Cristais de plástico

Outrora brilhantes

Candeeiros pendurados

Talheres inox    Foscos do uso

Aguardam impávidos

Que uns quaisquer passeantes

Esfomeados

Interrompam caminho errante

Em quietude

Já que ali             Sentar se podem

Os utilizem manipulem

À portuguesa o cozido

Arroz de tamboril

Mista grelhada

Tinto do barril

Se vão E os desprezem

E na sala              Luz apagada.

 

Pela janela

Lá fora                 A tudo indiferente

No aspeto          Imponente

No conteúdo     Generoso

Tal o fluido produto

Segunda claraboia do aqueduto

Na história          Majestoso

Assiste à cristalina água

Correr pelo canal

Onde os lobos são do vale.

 

LUMAVITO

30/11/2014

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publicado às 23:48

OH ADAMASTOR!

por avidarimar, em 13.04.15

Estes últimos seis anos

Apressados bem corridos

Acelerados

Trotineta desenfreada

Atinge velocidade tamanha

Pela rampa da estrada

Desfeita em bocados

 

Não sou eu        nem eu sou

O maluco            A descer a ravina

Sou mais a ave de rapina

Da paciência e do tempo

De quem louco

Devorava livros                                Cópias

Horas                    Serões

O quarto com papéis     aos montões

Exames, práticas testes provas

Sempre posta à prova

Como correu

Ah! Assim           assim

 

Dias volvidos

Bem tristes

Resultado, dezassete

Aprendemos por fim

Que aquele “Ah” Remete

Atropelo             negação

É o resultado da insatisfação

Que foi durando

Desde início, sem alívio

Massacre            E não sei até quando

 

Hoje já não é ansia

É pavor                 O horror

A bordo da embarcação

Todas as pestes               Epidemias

Todos os ventos se cruzam

De todos os lados

Pessoal em rebelião

Grandes as tormentas

Os mastros ensopados

As vagas que levam a nau

Rumo ao “Harrison”

Qual Adamastor

Monstro

Condiciona a vocação

Esse incontrolável arrasador

Até que se passe o cabo

Depois                 Tudo é calmo

Bonança

Mesmo aqui ao meu lado

 

Se assim não fosse

E outro modo houvesse

De verdade

Não trocava a realidade

Estes tempos não foram fáceis

Para quem está

E quem assiste

Habituados já

Que estamos

A esta pressão que persiste

Nada que não passe

Com uma deliciosa corrida

Junto ao mar

Já mais descontraída

 

 

LUMAVITO

19/11/2014

(À Ana Rita)

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publicado às 23:43

DO OUTRO LADO DO RIO

por avidarimar, em 13.04.15

Quero saber como

E não entendo

Porque           Na minha casa

Frente ao espelho

Vejo a porta que dá acesso

À rampa              Que dá para o rio

Que corre todos os dias

E sempre para o mesmo lado

 

Aquela porta está aberta

E quero ir para o rio

Ver passar a água

Transparente    Como o espelho

Sempre vinda de cima

 

Para lá daquela porta

Para além do espelho

Corre a aragem ligeira e suave

Noutro sentido

E o rio corre sempre para baixo.

 

Não é só imagem

Belisco-me sinto-me

Sorrio, faço caretas

E o rosto

Que está para lá do espelho

Não age nem reage

 

Mas eu noto que o rosto

Da imagem         Também sofre

Como eu

 

Sofre do mesmo modo

Coma mesma intensidade

Porque não consegue          Ir para o rio

Desistiu               Voltou pra trás

E está frente a mim

Impotente

Porque a porta que está

Atrás deste rosto

Apesar de aberta

Não o levou junto ao rio

 

E pergunto-me porquê

Estranha incoerência

Da porta aberta               Do lado do rio

E que não conduz à rampa

Que dá para o rio.

 

Sei que o rio está

Atrás da porta

E o espelho está na minha frente

Toco-lhe              Encosto a face

Ele reage

Fica mais baço.

 

Não sei o que é imaginário

Se o rio que eu sei que existe

Ou a porta que está lá atrás

Ou o espelho que embacia

 

Este espelho     tem uma porta

Que dá para o rio

Para lá da parede            Da minha casa

Que tem um espelho

Para cá da porta

Por onde ninguém passa

 

Sinto-me prisioneiro

Deste espelho

E deste labirinto

Para lá de mim

Até ao outro lado do rio

Que corre           Dentro de mim

 

Brota

Este rio de palavras

Enxurrada           De figuras poéticas

Dilúvio de alegorias

Sobe o nível

Extravasa as margens

Estou inundado

Fico à tona          A boiar

Para lá do horizonte

No alto mar

Lendo as estrelas

Como palavras

 

 

LUMAVITO

18/11/2014

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publicado às 23:41

APETECE-ME SONHAR

por avidarimar, em 13.04.15

Fechar os olhos

E sonhar

Que o mundo é perfeito

Que o que existe

É amizade

Apetece-me dizer

Que os homens são solidários

Apetece-me cantar

Que as pessoas

Sim, as pessoas

Todas têm todas ótimas intenções

Quero pensar

Não existe maldade

Corria às cegas

Abri os olhos

Travei a corrida

E fiquei triste

Desiludido         Não pela minha ilusão

Mas pelo que vejo

Mais parece pesadelo

Como em todos os dias

Mundo frenético         a correr

Movimento de atropelo

E que escape quem puder

 

Desligo o motor de busca do pensar

E o meu sonho pouco mudou

Este mundo

Mas                Por ser tão pouco

E sozinho que mais posso fazer

Procuro forças bem fundo

Cerro os olhos como louco

Não desisto de sonhar

 

LUMAVITO

16/11/2014

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publicado às 23:39

PAI ATÉ SEMPRE

por avidarimar, em 13.04.15

No teu retrato

Vivo a saudade

Tu que

Chova       neve

Ou em tempo de bonança

Estás sempre presente

No teu retrato

Nos teus olhos

Vejo o teu sorriso

E sei

O que te vai na mente

No teu retrato

Na tua face

O teu alento

Está patente.

 

Naquelas coisas que no tempo

Nos apetece diluir

Aos setenta foste viajar

Para bem longe

Procurei-te em nenhures

Não te encontrei

E mesmo que nos procures

Não nos vais encontrar

A não ser daqui a uns tempos

Não recuamos um passo

A esses momentos

E então

Daremos novo abraço

 

De início

Sentimos isso ao jantar

Já que nos habituaste

Que o dia foi feito

Para trabalhar

E crescemos

Reunidos ao início da noite

Mas lá porque em oitenta e sete

Foste embora

Tu estás aqui

Eu sinto

Talvez a brisa o sopre

Em oitenta e sete

Foi um ”até sempre”

 

Capto o teu odor

Escuto o teu respirar

Envolvo-me em conversas

Contigo

De longa data      amigo

A tua sabedoria

Quero beber

Anoto os teus conselhos

Aproveito o teu saber

 

Homem dos sete ofícios

Não abarca a dedicação

Já que

Parco em palavras

És homem de ação.

 

És de profissão

Cantoneiro

Agricultor

Cozinheiro

És canalizador

Enfermeiro

Vedor

Negociante

És pastor

Pedreiro

Nadador salvador

E não viajou como tu

Entre nós

Testemunho verdadeiro

 

Mas és muito mais

Tu és o rio e és a ponte

És a fome e o alimento

És a água e és a fonte

És a sorte e o portento

 

És a noite e o dia

És o silêncio e és a voz

És a luta de quem porfia

És o exemplo para todos nós

És na guerra o aliado

E o soldado

Que és na paz

E és inspiração

Pai Tomás

 

 

LUMAVITO, 15/11/2014

(Dedico este poema a toda

a minha família Tomás)

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publicado às 23:36

INTEMPORAL

por avidarimar, em 13.04.15

Sempre que alguém sonha

A ideia nasce

Com o labor

A obra faz-se

Pelo rigor

A construção acontece

Fenece o homem

O sonho permanece

 

LUMAVITO

12/11/2014

(Homenagem a Fernando Pessoa)

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publicado às 23:33

CHOVE

por avidarimar, em 13.04.15

Ao pôr-do-sol

Que não brilhou

Estava cinzento

Caiu a noite

E os pingos dos beirais

Salpicam o chão molhado

O galo não canta

Não há pássaros a chilrear

Estão abrigados

A cama                                acolhedora

Só a chuva se ouve

As estrelas fugiram

Não veem a melancolia

 

LUMAVITO

11/11/2014

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publicado às 23:31

BIBLIOTECA

por avidarimar, em 13.04.15

Desliza uma folha de papel

Duma prateleira

Do meu pensamento

Descaindo suave como nuvem.

 

Baloiçou

Até poisar na mesa

Onde arrumo os meus sonhos

Mesa onde, por hábito

Registo os momentos

Dos encontros que tenho contigo

Regular e apaixonadamente.

 

Trauteio cantos e prosas

Rosas e margaridas

Esboço de jardins e paraísos

Relato histórias intensas

Que não se esfumam

Não gelam

Nem se escondem

Sinais letras traços acentos e pontos

Sílabas agudas de prazer

E graves também

Por sérias e sinceras

Palavras imensas de orgulho

Sentir o calor da tua face

Textos extensos de afetos

No brilho dos teus olhos

Riachos rios e mares

No veludo da tua pele.

 

Com todos eles alimento

A minha biblioteca mental

Sonho construir

Mais uma nave de três pisos

Para guardar os rabiscos

E todas as folhas

Que me proponho escrever

No regaço deste tema

Que ocupa todos os dias

Do calendário virtual

Dentro do poema

Que talvez exista

Infinito e belo

Onde marquei reuniões

A perder de vista.

 

Esta paixão não esgota

Arrebata com fervor

E sinto-me incapaz

De escrever

Tudo o que me ocorre

Porque não uso gravador

E as ideias são setas disparadas

Pelo arco do tempo

E porque o sinto

Nunca ficará completo este capítulo

Deste livro de emoções.

 

E é arrebatado que leio

O teu pensamento

Os teus gestos

A floresta do imaginário

Ver o sol brilhar

Na orla do teu corpo

Até que a lua se ocupe

De mandar o sol maior dormir

E te olhe resplandecente

Por entre a brisa nas giestas

Que dançam

Com o teu passar.

 

Escrever de ti

Contigo

É o mote que não acaba

É palavra

É ideia, sentir, palpitar

Todas entrelaçadas

No sentido ascendente

Cada palavra em seu momento

Cada frase, um assento

Cada ideia um fogo ardente.

 

Cada ideia em sua cama

O sentido que a vida segue

E aquele que lhe queremos dar

Porque somos livres de escolher

Os nossos pensamentos

E a fornalha do imaginar.

 

Esses

Não há gente

Não há gerente

Nem político ou dirigente

Que nos maniete

E roube o pensamento

Não há ditador que ordene

O que eu possa pensar

E não há ministro das finanças

Que taxe o rendimento

Sobre o meu pensamento.

 

Não haverá

Ministro da educação

Que promova a utilização de censura

Dos manuais do pensamento

E não existirá ministro da defesa

Que se apodere

Das armas do pensamento

Nem ministro da presidência

Que anuncie decisões

Do conselho do pensamento

Acerca do seu alinhamento

Nem ministro da justiça

Que lhe mude as leis.

 

Podem condicionar

A forma de falar

De escrever

Conseguem estreitar

A minha vontade de agir

Mas não me conseguem roubar

A liberdade de pensar.

 

 

Panaceia, comiseração

A virtude do palavreado

A ilusão vendida aos molhinhos

A preço inflacionado

Acomodação ao estado de pobreza

Ausência de iniciativa

Sempre que me instigo

Declamar suave e doce

 

Regorgito

Vem-me à boca o amargo

Da notícia

Vem-me à memória a polícia

Que outrora

Fazia da tortura a maior arma

Aflui-me o azedo

Da escandalosa mentira

Retorço-me com este veneno

Que contamina todo o corpo

Provoca arrepios

E dores do pensamento.

 

Sempre que quero escrever

Coisa redondas

Coisas belas

Megafones insuportáveis ecoam

Por todos os cantos da aldeia

Mensagens poluídas

Conspurcadas

Com vozes aveludadas.

 

Sinto um murro no estomago

De notícias travestidas

Obscenas

Como punhal espetado no dorso

Vem-me à cabeça

O desprezo que alguns têm por nós

Vêm-me à memória outros factos

Que não desalinham

Desta putrefação reinante

Pelo respeito pelo bem comum.

 

Sai-me disparada a revolta

Envolta em palavras acauteladas

Sai-me a indignação

Por um “durão” da política

E dessas coisas assim

Sai-me a vergonha de ver

Com que analgésico

Este povo reage

 

Ainda não pôs pé na rua

A rua do desemprego

E lesta chega a nova

De apenas uma fraca reforma

E parcela de menor importância

Um mísero ordenado vitalício

De vinte cinco mil chavos mensais

Apenas com direito a despesas de deslocações.

 

Um homem que tanto penou

Em prol do bem público

Imaginem

Durante longos dez anos

Lá para esses lados da europa absoluta

E pura

Tal a alma pura deste ser que se deu

À prática da caridade genuína

Construção da felicidade alheia

Vê deste modo, esfumarem-se

As suas causas nobres

Palpites aqui

Bitaites acolá

Recomendações em avulso

Tantas horas de viagens

Sem direito a descanso

 

Roo-me de indignação

Por não me situar

Nesta capacidade de entrega

Belisco-me

Espeto-me de agulhas

Por não comungar

De tanto desprendimento.

 

Não entendo preocupação

Pelos quinhentos e cinco chavos

De ordenado mínimo

Instituído lá para os lados do atlântico

Sim, esses malandros

Inertes, sem ação

Sem pensar

Com paciência

Gastariam o que apanhassem

Não pensariam em amealhar

Para mais tarde

Colherem o fruto da previdência.

 

Com a mão direita deram-nos esperança

De maior igualdade

Com essa mão

Desenharam seriedade

Com vozes meigas

Pronunciaram gestos fraternos

Escondida

Atrás das costas

Com a outra mão

Roubaram-nos

O que tínhamos de valor

Que mais valor que a esperança

Todos os dias agora

Com a mesma voz

Apregoaram

Que a desgraça nos invadiu

A miséria e a pobreza

Com essa mesma voz

Nos chamam preguiçosos

Desmesurado populismo

Berram-nos

Que não fizemos

Os trabalhos de casa

E a mesma lata

Incriminam inocentes

Com laivos de banditismo

Querem-nos culpados

Dos roubos colossais

Que seus pares promoveram.

 

 

Nova página se escreve

Noutro tom

Noutro registo

Sem humor

Desprovido de demagogia

E enquanto houver caneta

Lápis carvão ou pena

Molhada em cálice de sangue

Escreverei

O que o pensamento me inspira

Em folha de papel ou em parede de gel

Nas águas do mar se possível

Rabiscarei na poeira da estrada.

 

Enquanto houver luz

Enquanto brilhar o sol

Ao luar

E à luz das estrelas

Lerei

Mas sobretudo

Interiormente gritarei

A liberdade do livre pensamento

Para que fique registado

Na minha biblioteca mental.

 

Com o indicador

Escreverei no ar

Os versos da frescura do dia

Rasgarei com canivete

No tronco

Da árvore da resistência

Com um cavaco

Registarei tristezas

Na lama da economia

E lanço um grito que alerte

Para além da mordomia

Elevemos o olhar

Ergamos a arma maior

Eles não querem     Mas

“Não abdiquem de sonhar”

 

LUMAVITO

10/11/2014

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publicado às 23:29

SINFONIA EM LÁ FÁ (Z) SOL

por avidarimar, em 13.04.15

Os pés deslizam na areia

Em desafio

À espuma das ondas

Olhando a lua cheia

Faena em três tempos

Pego-as de caras

Com água gelada

Sem sentir nada

Olhar bem no fundo

Águas bem claras

Submerso ao quarto segundo

Até à primeira braçada

 

Dito assim     até parece

Que a fuga se aproxima

Puro engano      a avaliar

Pelo sabor exuberante

De sentir ser o dono do mar

Agora neste instante

 

Já esqueci

As incidências da corrida

A terra batida

O asfalto

E na imensidão do mar

Apetece-me mar alto

Com pé firme bem distante

Desfruto deste quadro

Em aguarela sobre água

Como se as nuvens voassem

E fugissem para longe

 

O avião cruza o céu

Em admirável silêncio

O comboio escorrega

Entre a praia

E a serrania

E o seu barulho desapareceu

Ao sabor do vento

E da magia

 

Olho a ambulância que rasga

O serpentear da marginal

Entre os veraneantes

Que abrem alas

Em estridente espetáculo

De sirene aos lampejos

Deste lado     sem tom

E sem som

 

As gaivotas caminham na areia

Ao ritmo da sinfonia

Que ecoa

Manhã toda, tarde inteira

Em som estéreo

De embalar

Com a orquestra sinfónica

E ligeira

Ao sabor das ondas

Cantoria a Neptuno

Em coro a quatro vozes

Pano de fundo

A voz do mar

 

LUMAVITO

09/11/2014

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publicado às 23:26

GENTE

por avidarimar, em 13.04.15

Madrugada

Corre ansiosa para o emprego

Subindo a colina

Olhos encovados

Patente desassossego

Os filhos no infantário

Esta gente

Vinda de todos os lados

Noite escura desce a colina

Mais um dia de calendário

Mais do mesmo

Rotina

Regressa a casa

De metro e autocarro apinhados

Anos a fio

Com os nervos em brasa.

 

Gente que come sopa quente

Em angustiante silêncio

Os putos vão para a cama

Vê notícias na televisão

E reconhece gente com fama

E fala bem

E os lixa

Aumentando impostos

Falando da descida da carga fiscal

E melhoria do ensino

Conforme foram propostos.

 

Esta gente sobrevive

Arrasta a vida até agora

Envelhece apressada

Em louco ziguezague

Até que um dia

Marcado sem hora

Numa qualquer noitada

A luz se apague

E outra gente

Vinda de qualquer lugar

Desorientada

Suba a colina da vida

Sem nada que a oriente.

 

LUMAVITO

3/11/2014

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publicado às 23:24

HOJE HÁ SOL

por avidarimar, em 13.04.15

Lá porque hoje há sol

E as nuvens pairam no ar

Como flocos de algodão

Dispersas pelo céu

 

Lá porque em Novembro

As nuvens circulam bem alto

E o sol está radiante

As gaivotas estão na praia

Em lento compasso na areia

 

Lá porque as nuvens estão suspensas

Há gente        Muita gente

No passadiço         junto à praia

Ténis, sorrisos e óculos escuros

 

Lá porque há tanta gente

No passadiço

Há um solitário na praia

Calções, pés descalços, corrida

E um longo mergulho

Em águas serenas

A perder de vista

 

Lá porque é Novembro

E há um solitário na praia

Rebuscou-me toda a atenção

Pelo lado singelo

Do que em motivação

É diferente

 

Fui ao seu encontro

Interpelei-o:

 

Há tanta gente no passadiço

Há gaivotas na praia

Há nuvens lá no alto

E porquê um solitário

A banhar-se em Novembro?

 

Pelo corpo abaixo

A água salgada escorrendo

Fitou-me nos olhos

Fez um compasso

E com um sorriso

E uma palmada no ombro

Retorquiu:

 

“Lá porque é Novembro

E há gaivotas na praia

Há sol

E há gente a correr no passadiço

E há prazer no sol

E no passadiço

E há saúde no andar

No correr e no nadar

E lá por haver nuvens

Estamos todos bem assim…

Continue a observar

O que se passa no mundo!”

 

Nada mais disse

Mas eu sei o que o que ele pensa

E o que disse nas entrelinhas

Como as nuvens trazem notícias

Correndo o céu

 

LUMAVITO

02/11/2014

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publicado às 23:21

ESPELHO MENTIROSO

por avidarimar, em 13.04.15

Depois de sulcar o alto mar do sono

Numa viagem atribulada

Agitada pela violência das ondas

Desta época de Outono

Em água tão profundas

Sinto a barcaça do lençol

Atracar precipitada

Ao cais do acordar

Encandeado

Pelo foco do farol

 

Desmesuradamente lento

Coloco pé em terra

Não encontro chinelo

O meu pijama cinzento

Amarrotado

Na forma de esquisso

Tento endireitá-lo

Meio branco meio amarelo

Arrasto-me descalço

Para a minha estação de serviço

Evitando qualquer percalço

 

Fico parvo de espanto

Estas imagens que capto

Frente ao impiedoso espelho

A figura que lá está

Com ela não me assemelho

Não me olha de frente

Se o empurrar

Que fará?

 

Ostenta aspeto miserável

Com figura de trambolho

Desconcertado

Caos no cabelo

Remela no canto do olho

Olheiras em triângulo escaleno

Empapuçado

 

Não, não sou eu…

Oh! Profunda dor

Até o estomago estremeceu

Não sou eu, não senhor

 

 

Num gesto pseudo buliçoso

Dá-me arrepios, aquele ser olhar

Tremo de perceber

Este aspeto cadaveroso

Longe não vai este mundo

Com gente desta

Mal-encarada

Que se arrasta sem de si assumir

Uma imagem desconcertada

Sem nada, mesmo nada

Que saiba produzir

 

Viro costas

Àquela triste figura

E rápido, volto a virar

Lá continua ela sem mexer

Nem sequer as bochechas opostas

Definhado com agrura

Nunca viu o alvorecer

 

Lesto, enfio as calças

Aperto a camisa

Salto para dentro dos sapatos

Preparo-me para outras andanças

Sem grandes aparatos

Sem uma vontade precisa

 

Afasto a cortina

E olho pela janela

O mundo gira sôfrego

Tal a fumarada

E numa lentíssima corrida

Persigo o autocarro

Que me acolhe

Como sardinha enlatada

 

Atiro-me para a casa da roleta

Mais perto da porta

Da chamada “economia”

A montra do supérfluo

A mentira do dia-a-dia

Que deixa a alma partida

E com toda a subtileza

Deste casino da vida

Cada pessoa um objeto

O poder do faz de conta

E o mérito da esperteza

 

E assim volto a casa

Mascarado de audaz

Até parece que realizado

Como grande rapaz

Por não saber que fazer

Para dar volta a este fado

Fico-me à porta

De mão e pé atado

 

Procuro o que me conforta

Sem me lembrar nesta paragem

Que na próxima madrugada

Meio viva meio morta

Encontrarei nova personagem

Junto do estranho espelho

De face enjoada

Que sem me fitar

Só me mostra o que é velho

 

LUMAVITO

20/10/2014

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publicado às 23:18

VIVER OBRA INCOMPLETA

por avidarimar, em 13.04.15

Este ar melancólico

Que todos os dias me assola

Esta forma de discussão interior

Este quase permanente reboliço mental

Que nasce indolor

Como se de erva crescente se tratasse

Quase se confunde com instabilidade

Bem longe da realidade

 

Olho o crescer do matagal

E por vezes

Se assemelha a solidão

Sem que saiba tecnicamente discutir

Dou por mim meio feliz

Porque discuto comigo

Amargura

Sem perceber o sentido

Rebusco razões da solidão

Ou do silêncio não sei

Sentimento brunido

E não as vejo não as sinto

Nem vislumbro razão

Para a sua evocação

Direi que é antes

Uma situação estranha

Entre o mim exterior

E o meu eu

Só meu

Inexplicável

Porque é sentido

E não de descrição razoável

Um tipo de análise natural

Que distingue entre a aparência

E a realidade que se entranha

 

O que projeto ser

E os planos que eu traço

Servem de porto de partida

Com eles construo visão

No que se assemelha

A tresloucada corrida

Neles alicerço crescer

Embrenhado nasce a ambição

E nesta navegação

Surgem as dúvidas

Incertezas no resultado

Atingem-me laivos de tristeza

Se o plano se vai cumprir

Por não carregar a certeza

Quando o resultado emergir

 

Dado um clique

Nas entranhas da solidão

Lesta

Catapulta a mensagem da ousadia

Ou ficas como estás

Com projetos anseios

E sem obra

Ou vingas

E vences os receios

 

Escavo mais profundo

Nos alicerces do ser

Desenterro ferramentas

Talhadas em ferro forjado

Ou quem sabe se já temperado

Inflijo-me de ganas de furor

Ou a obra nasce

Ou o sentir morre

 

Com coragem talho o bloco de pedra

De madeira ou o que for

Com ousadia acentuo as formas

Na determinação retoco pormenores

E leio-lhe os pensamentos

Na missiva dos ornamentos

 

É este lado isolado

De busca por satisfação

É obra feita

Sempre incompleta

Cavalgada pela inspiração

Tendo novo arrojo á espera

Pouco importa o que pareça

Talvez até com rasgos de loucura

É obra é da vida estrutura

Linhas de quem

Para além do feito

Mais procura

Sabendo que incerteza

Ansiedade solidão amargura

Têm o tempero essencial

Ser feliz hoje

Sentir

Não é fase definida

Terminal

É permanente conquista

Insatisfação modelar

Que dá o toque final

 

LUMAVITO

31/05/2014

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publicado às 23:15

MORDOMIAS OU MUNDO CÃO

por avidarimar, em 13.04.15

Nariz esborrachado na vidraça

Salpicada pelas gotas da chuva

Embrenhado no aconchego interior

Olha o piso da rua vergastado

Pela violência da água

Impelida pelo vento

Aquela bátega de água regelada

Sacode selvagem o arbusto

Embrutecido pelo mau tempo

Tomado pelo susto

O cipreste borda de estrada

Dança um ritmo violento

Sem que possa fazer nada

A não ser moldar-se

Implorando ajuda

A quem por ali passe

 

Mas ninguém de casa quer

Não há humano que arrisque

Abrir uma fresta sequer

Da porta que separa

O vendaval em despique

Com a resistência e o ar quente

Desta casa indiferente

A este espetáculo sem palco

Nesta rua sem gente

 

Por entre a névoa

Que se levanta do chão

Cortada pelo relâmpago

Espantada pelo trovão

Cresce no tamanho

Frente aos nossos olhos

Um transeunte escanzelado

Meio pardo meio castanho

Pelo escorrido empastado

Irrompe entre o dilúvio

Aquela desconcertante ossada

Só unida pela pele

Orelhas encolhidas abaixo da nuca

Enterra as patas pelas poças de lama

Os olhos que o fitam

São os mesmos regalados

Por ali terem uma cama

Fazem da diferença no conforto

Sem interesse coisa pouca

 

Pouco preocupado com o mundo

Lá segue o solitário animal

Olho profundo

Sem se importar com quem fale

Daquela assombrada figura

Passo lento muito lento

Ergue ligeiro o olhar

E de esguelha murmura

Conforto sabe bem saborear

Como tal

Não lhe dá contudo tormento

Ter vida de cão sempre igual

É lutar dia a dia sem guarida

Ou um qualquer paradeiro

Se não arranja abrigo

Segue em frente

Sem prejuízo

À procura de refeição

Sem a trocar por dinheiro

Mordomias doutra gente.

 

LUMAVITO

31/05/2014

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publicado às 23:13

RAPAZOLA DE NAIQUES E LEVIS

por avidarimar, em 13.04.15

 

 

Nunca ninguém te disse

Na segunda pessoa do singular

Nem nunca tiveste dois dedos de testa

Que visse para lá do inconsciente

Em caso algum enxergaste

Que viver não é só por si

Passear os ténis pela cidade

Nem menos ainda

Escolher calças de ganga no centro comercial

 

Isso é vaidade exibição montra de palhaço

Viver é bem mais do que isso

E isso justamente

Ninguém te ensinou

Que vida é luta

Vida é permanente conquista

É vencer mas não derrotar alguém

É vencer-se a si próprio

Coisa que ainda menos experimentaste

Pois sempre tiveste quem te segurasse

E te puxasse pela arreata

 

Subsistes à conta de heranças

E do trabalho de outros

Que te deixaram rendimentos

Ganhos em milhares de réis

Esses euros que agora te chegam

Não são do teu trabalho

Que o alcançaste

Nem te conferem dignidade

E que a ti tanto te ignorou

 

Não se vive só de boas maneiras

E essa vida não é manequim de montra

Não é camisola de lã

Ou sapato de vela

Esta vida faz-se com pessoas

Mas pessoas com honestidade intelectual

Tu que apareces de cara deslavada

Essa tua essência

Apenas montada na aparência

Nunca aprendeste o sofrer pela conquista

Sentir a dor na vitória

 

Tu que tratas uma mulher

Como se um ser de segunda

Como se apenas de um troféu se tratasse

Para exibir às tuas hostes apoiantes

Não te suscita respeito a mulher

Pela sua acção pela dinâmica

Pela persistência e arrojo

Nela vês um bocado do teu prazer

Pedaço submisso como gato ou cão

E a tratas mal com ofensas

Quando os argumentos não te acompanham

 

Deixa-me dizer-te

Porque só por ti

Não tens inteligência que te esclareça

E os miolos são coisa que se exercita

E esse teu deserto de ideias

Cria um vácuo de saber

 

Mas não falo do saber manipular

Nem de saber encurralar

Abre os olhos, sentado nesse muro

Revestido de musgo humedecido

Se esperas aí por ela

Que ela passe par lhe lançares o isco

Não percas tempo

Porque esse tempo de bebedeira

Pela conversa fiada

Só passando por elas

Perceberás a distância

Entre um homem e um rapazola

Não passas dum farsola

Sem carácter e sem raiz

Vai para casa que te constipas

Pois, sem ti

Mais gente será feliz

 

 

LUMAVITO

25/05/2014

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publicado às 23:11

NASCIDOS NO VENDAVAL

por avidarimar, em 13.04.15

 

 

Bem no alto

Por entre o escuro dos penhascos

No recorte entre a terra

E o preto do céu

Na montanha dos tempos gastos

Mais negros que breu

Tricotam os relâmpagos

Alas para o atroar

Descarregando altas voltagens

No ressoar das trombetas imperiais.

 

Rebolam pedregulhos

Nas nuvens condensadas

Feitas em frangalhos

Antecipam cenários diluviais

Do rigoroso Inverno

Com tamanha ventania

Caos, desgoverno

Chocam prenhas nuvens

No topo da serrania.

 

Grossos pingos amnióticos

Sinais claros

De momentos fantásticos

Romperam-se-lhe as águas

Nestes caminhos erráticos

E escorrem

Por entre os matagais

Enxurradas contínuas

 

A acalmia instalada

Nuvens que se dissipam

Ficam para trás

As paredes frias da noite

Despertar da alvorada

Não é vento que se veja

Nem que por aí, alguém se afoite

Mas é algo que areja

É aragem que avisa

Vindo do lado do vento norte

Musa que chega com a brisa

E se agarra a tal sorte

E se acoita

Na face do monte

Virada a sul

Junto à linha do horizonte

 

Eis que a vida pare

O princípio duma existência

Primavera assumida

Preambulo dum novo ciclo

Na madrugada milenar

Primeira tarefa cumprida

Neste anfiteatro, hemiciclo

Qual jardim do paraíso

A origem a desabrochar

No silêncio, de improviso.

 

Frontispícios dos tufos

De erva rasteira

As abelhas cavalgam a montanha

E o pólen

Recolhem, depositam

A um ritmo desconcertante

Que parece bebedeira

A sofreguidão em que militam.

 

Esvoaçam borboletas

Culminando

Romper da aurora

Pardais que debicam a bicharada

E pedaços de plantas soltos

Flores que pintam o quadro edílico

De todas as cores

Encosta fora

Já deixada a alvorada

Silêncios que varrem a imensidão

De quimeras embalados

Murmuram ao ouvido das pedras

Que serpenteiam

Os socalcos desventrados.

 

Pingo a pingo

Escorrendo

Engrossam as lágrimas espremidas

Das rochas e dos baldios

Descem aos poucos, a encosta

Veem do alto, foragidos

Fugidios

Em jeito de aposta

Formando balanço

Das gotas siamesas

Gemidos da água, acumulam-se

Em fino regato

Coesas

Ora a um lado, ora a outro

Em disforme aparato

Rasgam o caminho para o vale

E se precipitam no riacho

Não desce por decreto

Ou por despacho

Gravidade natureza

O que os impele

Encosta abaixo.

 

Escorrem sôfregos, os sinais

Da Primavera da vida

Precipitam-se na ânsia de aprender

Numa sequência corrida

Conquistas triunfais

Da vontade de viver.

 

Ao fundo

Lá bem ao fundo

E correndo para mais baixo

Lá segue traçando outras nervuras

No início doutro mundo

Dando as mãos

A outros seus parceiros

Seguem por margens seguras

Até que se junte ao senhor rio

Que os absorve

E embala

Por entre desfiladeiros.

 

Na senda da garganta do vale

Entre duas encostas simétricas

Brilho nos olhos

De vaidade

Por ver o seu trabalho de séculos

De milénios

Escava corajosa

Aquela montanha

Roubando-lhe todos os detritos

Rasgando-lhe aquela rocha

Que transporta

Calhau rolado

Brita a brita

Triturando em crescendo

Tudo arrasta

Em turbilhão

Rebolando

Moendo.

 

Fonte esta de pujança

É esta a flor da vida

São tempos de mudança

Verão de escala assumida

No auge da energia

Na forma, na cadência

Acelerações desenfreadas

No esforço, na resistência

Em tresloucada sinfonia.

 

E no amago deste frenesim

Grande rebuliço

Surge o convite ao acalmar

Da guerra desenfreada

Da descida

Espraia-se pela vastidão do vale

E o leva a saborear aquele sol

Que até ali

Tinha passado despercebido

Sem quaisquer burburinhos

Tal a sofreguidão

De conhecer novos caminhos.

 

Instala-se o Outono

Desta breve passagem

De um ciclo infernal

Neste soprar de leve aragem

Etapa equilibrada, racional

Comedida na medida

E no formal

Sustentada no sabor

É a lei de partida

Para novo impulso

Trampolim para novo fulgor.

 

Tempo de espreguiçar

Fruindo a acalmia

Encaminha-se quase adormecida

Saboreando a paisagem

Buscando a imensidão desse mar

De recurso sem par

Desde o fundo até à margem

Fonte de deliciosos prazeres

Do corpo e da mente

E no seu leito adormece

Os grãos de areia

Arredondados

Pela sua fábrica abrasiva

Fabrico em série de drageia.

 

E lá ao fundo

Logo acima das profundezas

Eis que esse líquido

Artes mágicas desta enormidade

Vapor se torna

E se empolga na vertical

Despedindo-se desta azáfama

E do alto das nuvens adensadas

Olha a distância percorrida

Até que se decida

A nova viagem

Sempre repetida

Estonteante.

 

Viagem duma vida

Com o sal por tempero

Saboreada sentida

Medida certa ou exagero

Temperada a cada gosto

Com a frescura de Abril

E o calor de Agosto

O Setembro bem febril

Da uva para o mosto

Com o frio em Dezembro

Um sorriso em cada rosto

Pelo prazer de cumprir

Da vida ao sol-posto

O anseio de prosseguir.

 

 

Não é fado

Não é sina

É caminho trilhado

Em cada viela ou surriba

Da urbe ou citadina

De cada um o legado

Para lá desta colina.

 

Em cada pensamento uma gota

Por cada palavra um riacho

Em cada poema um ribeiro

Por cada vida um rio

O que vai e o que fica

Em cada mente um viveiro

de ideais, sentimentos

Em constante desafio

O que vai, não vai

Esfuma-se

E o que fica

Se valeu nada

A cada um o que norteia

Acrescentar um grão de areia

Na vastidão do areal

Ou a meio da enseada

Assim se cumpre o desígnio

Dos nascidos no vendaval

Os filhos da madrugada

 

 

LUMAVITO

12/04/2014

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publicado às 23:06

MOMENTOS ÚNICOS

por avidarimar, em 13.04.15

 

TÃO SÓ      TU

 

Ao acordar dum sonho

Elegi um objetivo

Pelas vielas do pensamento

Acordei o equilíbrio

No rosto amargo da agonia

Saboreei o alento

Num percurso estreito

Capturei um espaço

No mar profundo

Vislumbrei as estrelas cintilantes

No planar duma águia

Encontrei a tua garra

Em plena cidade

Ignorei a multidão

Senti a amizade

Na pata do meu cão

 

Numa poça de lama

Enterrei as minhas mágoas

Na toca escura da tristeza

Acariciei o orgulho

No lago fingido da mentira

Provoquei rebelião.

 

Fui a meio da floresta

Bebi a taça da alegria

Nas margens verdes do rio

Soletrei a força da torrente

Nas pétalas duma flor

Respirei o néctar da leveza

Nos píncaros da montanha

Gritei liberdade

Na barcaça da ignorância

Remei os mares do teu saber

Na face da rocha

Esculpi o teu nome

Na casca duma árvore

Desenhei o teu caracter

 

Nos degraus deste poema

Doeu-me

Triste     por mim

Não pelo que fiz

Não pelo que errei

Nem pelo que sei

Mas por tudo

Tudo o que não aprendi

E do que não fiz

Pelo empreendimento

Que não acabei

E pelo que não te ouvi

E pouco te olhei

 

Vagabundeei

Até ao fim do mundo

Companheiro da solidão

Encontrei-me, por aqui

E por ali

Quente, suado

Gélido, molhado

E chorei

Pensando em ti

 

Mas não é tarde

E o tempo espera por nós

Se queremos empreender

É tempo

Na manhã do teu percurso

Conquistado a pelejar

Tempo de aprender

Mais tempo pra fazer

Mais caminho a percorrer

Correr mais distância

Desenfreado

Todas as pessoas acordar

Do acomodar     adormecido

Sem vacilar

E olhar em frente

Rasgar o lado poente

Virar-me para o sul

Para todo o norte

E prá nascente

Vê-la correr

Encosta abaixo

Toda a resistência

A ultrapassar

A perseverança a consumir

Até à exaustão

 

É tempo de recuperar

O tempo que não foi tempo

Pois esse não foi tempo de fazer

É tempo pra mais alento

Para continuar a conquistar

Sem olhar pra trás

Percorrer os caminhos

Longos caminhos de emoção

Tempo de, todos os dias

Com o suor do rosto

Escrever com carvão

Ou com sangue

Nas nuvens da esperança

E da ambição

Páginas deste livro

Escrito todos os dias

Nos dias de calor

Como nas horas longas

Das ínvias noites frias

 

O que ontem era sonho

O que ontem abriste

E analisaste

Em cada peça

Em cada engrenagem

Tudo o que arquitetaste

E o que por ti foi acrescentado

E percorreste

Chegámos ao hoje

Nós, orgulhosos

Tu exigente

Hoje é aqui

É assim         de forma simples

Tal como o vemos

O sentimos

O inalamos

Mas sobretudo

O que imaginamos do amanhã

 

Este é o momento da viragem

Um caminho repleto

O início de outra viagem

De coragem

Essa ansiedade que espelha

O insaciável

De percorrer já hoje o amanhã

Fá-lo-ás a partir da manhã

Sem pesos, sem amarras

Com um grito de liberdade

Com o rasgo do atrevimento

 

Esse rumo está todo por percorrer

Os momentos do amanhã

Estão todos por viver

As lágrimas de amanhã

Estão todas por chorar

Os sentimentos de amanhã

Estão todos por sentir

E porque os momentos do amanhã

Estão mais ricos

Depois dos momentos de ontem

E dos de hoje

Os recantos do amanhã

Estão todos por desvendar

 

Vamos saborear

A brisa que nos envolve

Fechar os olhos

Respirar fundo

Sorrir

Maravilhados pelo que

Os nossos olhos veem

Os nossos ouvidos

Captam este momento

Deixemos que o que os dedos afagam

O córtex atente

A delícia do fruto

 

Quero ter braços

Pra abraçar todas as razões

Não mais perder

Um minuto de paixões

Mergulhar o poço inesgotável

Da ilusão

Com todo o sentimento

Que o sentir permite

Que o coração palpita

Num turbilhão

É por isso          por tudo isto

És tu

Apaixonadamente tu

Metade da razão

 

 

LUMAVITO

19/04/2014

 

À Ana Rita

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publicado às 22:59

SOB RESGATE

por avidarimar, em 13.04.15

Esperei por ti

À entrada da porta

Procurei-te

E em redor           nada encontro

Aguardo um sinal teu

Ou doutro de quem eu sou

Algo que anuncie a tua chegada

Uma mudança, algo novo

Para quem

Já tanto sangrou

Outro caminho

Para este povo

 

À minha volta

Não almejo senão     natureza morta

Linhas rectas

Linhas tortas       em confronto

Com o aconchego

O calor que este lugar

Outrora viveu

Antes, contigo

Montra iluminada

Com projectores

De brilho intenso

Memórias que, no meu baú, adenso

De companheiro para amigo

De honesto para solidário

De quem faz do trabalho, arma

E do rigor, o seu caminho

 

Procurei-te na mesma rua

Onde juntos, sorrimos

Vagueei abaixo e acima

Na esperança de te olhar

Rebusquei-te na esperança

Que alguém alerte

Que estás perto

Bem perto

Logo ao virar da esquina

Deste tempo

Tempo triste, medonho

 

Vou até junto do mar

Quando está de bonança

Mas ele não me aponta

O caminho certo

Fora de qualquer rotina

Vem-me à ideia

Que sumiste

Mas não desisto

 

Longe vão os tempos

Que passeámos de mão dada

Tu e eu

Um Abril longínquo

Um Abril de menino

Chegaste pela mão

De quem não se resignou

Homem, capitão

Carregado de ambição

De entrega ao seu povo

E a revolta pela injustiça

Pela incultura

Obscurantismo

Deu lugar à libertação

De um povo

Sedento de oportunidade.

 

Cresceste em Maio

Amadureceste, anos a fio

Suplantaste adversidades

Deste forma ao rosto do talento

Subiste os degraus

Da escada da igualdade

Subiste ao planalto da cultura

E do mérito

Trepaste a montanha do saber

E do alto da colina

Espraiaste o olhar

Pela conquista de um povo

 

Quarenta anos a tua idade

Quarenta na província

E ainda na cidade

Quarenta anos em terra

E no mar

Quarenta anos após a guerra

Quarenta anos

E não vemos o teu olhar

Não sentimos o teu pulsar

E não sabemos onde cumpres

Uma pena de um crime

Que não cometeste

Não abraçaste nenhum mal

Ousaste ser livre

Não ouvimos tua voz serena

Em dias de vendaval

 

Tenho uma dor

Cravada no peito

Uma dor profunda

Uma dor que me corrói

E dói muito

Mas não…

Não me calo

Não aceito que me silenciem

Esta dor que a todos dói

 

Diz-nos onde estás retida

Sem ver a luz do dia

Se puderes, que podes

Grita bem alto

Que não estás perdida

Mas se estás amordaçada

Nós aqui, sem ti

Não somos nada

 

Nós aqui

Somos povo, somos gente

Somos malta

Nós aqui estamos todos

Todos sentimos a tua falta.

 

Nós aqui

Continuamos à tua espera

Não nos amedrontamos

Com o rugir

De uma qualquer fera

Nós aqui

Estamos prontos

Atentos

E para além da saudade

À noite, pela calada

Perseguimos-te

Pelo nascer da alvorada.

 

Nós aqui

Estamos famintos

Procuramos-te

Nós aqui

Queremos-te

Liberdade.

 

LUMAVITO

30/03/2014

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publicado às 22:05

À SOLTA

por avidarimar, em 13.04.15

É no monte

Que nasce a corrida

Armado para calcorrear

Qualquer trajecto

De ténis T-shirt e calções

Golpeando a colina

Por vielas serpenteantes

Com o verde dominante

Da imensa natureza

 

Lanço mão ao bolso

Do bolso que não trago

Do meu caderno de agruras

Rasgo uma folha de pesadelos

Atiro para trás uma traição

 

Veredas e atalhos

Em ritmo moderado

Abrem o rol das dúvidas

Angústias, e demais pesos

Que se adensam

Ao nível da provocação

A que o corpo se sujeita

Estas são as dores de parto

 

E pelo meio da natureza

O poema nasce

 

Minutos volvidos

Sem por isso dar

Já não se nota o peso

O ritmo estabiliza

A brisa não marca presença

O caminho escancara-se

E o rodado não deixa rasto

Ligo o sistema de sensores

 

E a par da natureza

O poema caminha.

 

E dou por mim

Rodeado de todas as cores

Sombras        raios de luz

Formas, plantas, caules

Arbustos

Seiva, pedúnculo

Sépalas de um cálice divino

Pétalas, cama de estames

Pólen de todos os sabores

Estame que namora

E se enrola com o estigma

Câmara da reprodução

 

E em comunhão com a natureza

Floresce o poema 

 

Abro o livro de emoções

Sonho acordado

Prazer é tudo

O que fica pra trás

O que nos ladeia

E tudo o mais

Tudo …

O espectáculo do silêncio

Embevecido pela brisa

Bem leve e ligeira

Amena

 

E com esta natureza

Cresce o poema

 

Lombas, curvas e travessas

Rampas        desníveis

Motores em alta frequência

O corpo embala

Nada o faz parar

Este duplo exercício

Serve prazer a quem escreve

Brinda com êxtase

A quem corre

 

E na imensidão da natureza

O poema amadurece

 

Numa investida final

O ritmo é intenso

A distância longa

O prazer imenso

Satisfação sem medida

Em jornada triunfal

Último sprint

Em pleno orgasmo do cansaço

 

E na exuberância da natureza

Repousa o poema

 

LUMAVITO

23/3/2014

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publicado às 22:01

DEAMBULANDO

por avidarimar, em 13.04.15

Procuro elevar o pensamento

A todas as potências desmedidas

Levá-lo na prancha do ilusório

Até que as ondas do mar se imobilizem

A saborear o licor do meu silêncio

Sem capa de fuligem.

 

Quero trepar pelos catetos

Com o calor das palavras

Cravar no vértice superior

O quadrado da minha ignorância

Demonstrar que o meu saber

É parco de substância.

 

Intento mergulhar a pique

Ao fundo da razão

Ouvir a brisa que jorra

No soletrar da emoção

Em tudo o que mantém vida

E perceber porque ri e chora.

 

Sonho alcançar o equilíbrio

No delírio da guitarra

No calor da discussão

Sentir no remexer da memória

o gelo da angústia sufocante

No sepultar da ilusão.

 

Busco sentido nas coisas

Transpondo o sentido das palavras

Sem evidente certeza

Palpar que as pedras são pedras

Pois só quando confuso

Percebo na pedra a beleza.

 

Para além da aparência

Olho na beleza o objecto

E da sua geometria

Na sua envolvência

Para lá dos meus olhos

Entendo a sua mestria.

 

LUMAVITO

29/3/2014

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publicado às 21:59

NATURALMENTE

por avidarimar, em 13.04.15

 

 

Sou ausente de raça

Nem entendo a cor da pele

No baú dos registos

Desvelo a minha etnia

Que não descubro

Diligencio a minha idade

Presumo-me em todas

Novo, velho

Maduro, recém-nascido.

 

Estou certo donde provenho

Mas não tenho terra

Regalo-me em qualquer lugar

Este eu que se percebe gente

Pelejo por causas

Com ideais, razões

Repleto de sonhos

Procuro a dimensão

Deste universo

Palpito a vida

Prenhe de argumentos

São dúvidas, certezas

E são todos sentimentos

Percebo-me filho

E sou pai

Rebusco memórias

Na alcova do meu recanto

Nos momentos de prazer

E nas vãs glórias.

 

Busco amor

Refuto o ódio

Além de animal

Esta coisa de pensante

Sem ser artista

Sinto-me marido

Sou amante

Para sentir o mundo

Afortunado

Vivo o pranto e o riso

Irei a qualquer lado

E fabricarei

O que for preciso

 

 

LUMAVITO

22/3/2014

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publicado às 21:58

RAREFEITO

por avidarimar, em 13.04.15

Saio à rua            olho o céu

Crepita                 salta      abrasa

Ar escaldante

Não suporto      fora de casa

Tal o marasmo                  apatia

Ambiente sufocante

Estufa gigante montada

Tudo queima

Nada mexe        nada sopra….

Nada

 

Sinto o ofegar do fundo do peito

Apertam-me os canais

Que ainda chegam aos brônquios

As vielas que o ar sopra

Até aos pulmões

Tento respirar fundo

Fecho os olhos                 nada feito

Inspiro pela boca

Entupida a narina

Vejo fugir o mundo

Provoca-me o colapso do fôlego

Sinto a vida a murchar

Esticados os favos da minha concertina

Mais não cedem

À minha ânsia de respirar

 

Calor é satisfação

Se à saúde for aceitável

Sensação de aperto peitoral

Tento puxar das entranhas

O ar com desmesurada sofreguidão

O cérebro dá sinais

De coisas estranhas

A luz diminui

A clareza das ideias esmorece

E o pensamento não flui

 

LUMAVITO

22/3/2014

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publicado às 21:56

ABRIL DE HOJE

por avidarimar, em 13.04.15

Era um dia entre muitos

Todos os dias

Todos os minutos

Daqueles

Que a vida consome

Um dia diferente

Mas só aquele

Envolveu toda a gente

Não mais se falou

Da cinzenta tristeza

Da miséria

Da fome

 

Era um dia de Abril

Manhã cedo

Momento talismã

Dia em que o medo morreu

Se apagou outra gente

Gente vil

Naquela manhã

Entre sussurros          despertou

E veio a luz do dia

O dia em que

O filho, o neto, o pai e o avô

Se olharam de frente

Selaram o abraço

Com o adeus

A vinte e quatro

Rasgaram a tristeza

Agarraram a alegria

 

Foi nesse dia de Abril

Esse dia vinte e cinco

Que olhámos para trás

Esse fantasma da opressão

Angústia

Estômago sem pão

Esse bicho malvado

Jazia prostrado

No meio da cidade

Na mira

Da arma da coragem

Que disparou

Cravos de liberdade

 

No tempo em que respiramos Abril

Nos dias em que

O gelo evaporou

E

Do frio das noites escuras

Vislumbrámos o raiar do sol

Entre tantos, tantos mil

Gritos de revolta

Palavras de alento

Disparadas pelo

Brilho dos olhos

Do soldado que sorria

Cavalo à solta

Dentro daquela farda

Libertou-nos

da guilhotina

Das torturas

E vingou o cravo espetado

No cano da espingarda.

 

Foi nesse Abril

Que despertou a liberdade

Essa primavera do sorriso

Abril que nos trouxe verdade

Foi esse mês preciso

Foi esse mesmo soldado

Entendamos, deixou aviso

Liberdade não se compra

Conquista-se com sangue

Vive-se com entrega

Longe dos holofotes

Dormindo com a ousadia

Erguendo-se com a honra

Com braços mais fortes

Combatendo os farsantes

E a sua cobardia

 

Sem Abril

Igualdade será ausente

Sem Abril

Não teremos liberdade

Que possa seguir em frente

 

Abril é luta

É conquista

Abril é disputa

Permanente

Abril é e será sempre

O farol de quem sentiu

Que antes de Abril

Nenhuma voz sorriu

Mas este ainda é

O nosso Abril florido

 

LUMAVITO

01/03/2014

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publicado às 21:54

ESTE TODO SER CONSTRUÇÃO

por avidarimar, em 13.04.15

Uma parte de mim quer

A outra           em mim       pondera

Um pedaço de mim sonha

O outro de mim         prevê

Um lado quer que eu aja

De mim, o outro mede

Um cérebro dorme

Por mim, o outro vigia

Parcelas de mim projectam

Tantas outras a realizar

 

Que identidade, que acção

Tantas outras questões que ficam

Outras tantas que solidificam

Um ser entre milhares de milhões

Elevados a tantas potências

Geometria do pensamento enquadrado

Quadrado, redondo, triangular

Regular, obtuso

Concavo, convexo

Todas as formas, transformações

Que cavalgam o amago das divergências

Das confluências, das aparências

Aspectos, imagens

Catalisador do pensamento

Estes pedaços, parcelas

Lados, arestas, ângulos

Maiores, enormes

Pequenos, diminutos

Eles todos, todos juntos

Identidade

São os que definem um ser

Que objecta, constrói

Participa, impulsiona

Ao mesmo tempo, emotivo

Sem perder o equilíbrio.

 

Da intercessão das partes

Na conjunção dos pedaços

Surge a figura do conjunto

Montão, mistura

Do osso e do músculo

Inclusão da febra e da gordura

Esforço, resistência

Acto consolidado

Cunho, índole, firmeza

Pela natureza do simples elemento

Caracter estruturado

Dá lugar à estrutura do pensamento.

 

Um ser que pensa

Em coexistência com o coração

Ente que resolve

Com base na razão

Mas que avança, da que pensa

A melhor feição.

 

Sabendo que somos etéreos

Passamos, progredimos

Crescemos, aumentamos

Nova etapa, regredimos

De energia

Sem perder o norte

Do objecto final

Saímos deste mar

Deixando mais

Do que encontrámos.

 

Com todas as migalhas

Se conta uma vida

Tantas outras, outras tantas

Parecidas, semelhantes, confundidas,

Nunca iguais

Com cunho irrepetível

Que evoluímos para a cinza.

 

Deixamos marcas, construímos pistas

Deslizamos em construção

Olhar para trás, sem temor

O objecto tem formas múltiplas

Génio porventura

Loucura em dose quanto baste

Para tantos, deformações

Caminho agreste, desventura

Importa prosseguir viagem

Com dignidade, sem ilusões

Sem manhas, com artes

Do saber

Saído da terra

Ora miragem

Salto sentido, finda no lodo

É meu, com todas as partes

Só assim fazem sentido

Todos os pedaços deste todo.

 

LUMAVITO

18/02/2014

 

(In ludecenio loures)

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publicado às 21:50

BRILHANTE LUZ BAÇA

por avidarimar, em 13.04.15

Olho as águas cristalinas dum rio seco

Percorro as margens da felicidade

Mergulho nesta torrente

De falsas esperanças

Dum dia resplandecente

Carregado o céu de escuro cinzento

Este que é miragem de toda a gente

Só de mim é amarga imagem

De caminhos cruzados pelos passos

Passos apressados, lentos, firmes ou moles

Da força de viver fraquezas

Triste é o dia dos que vadiam

De quem sonhou sonhos lindos

E belos de sonhar

Com pés descalços pisa pesadelos

Estradas amargas, cobertas de tojos

Rijos, verdes, penetrantes

Rastos ensanguentados pela ferida do espírito

Que estremece em cada picada envenenada

Desta gente insensível, desumana

Desleal e mentirosa.

 

Quantas ceifeiras são precisas

Catarinas de Baleizão, feridas, prostradas

Para que do prostrado se erga o arrojado

Do resignado se levante o destemido

Se diga que só há dominadores

Até que a coragem dos resignados

Suba de tom

A indignação transborde

O caldeirão deste país

Soe bem alto a voz dos espezinhados

E o saque dê lugar à justiça

Cega

Ou de olhos abertos

Se faça justiça sem vingança

Mas que garanta

Aos que pagaram a dívida que não deviam

Lhes seja devolvida cobrança sangrada.

 

Virão os dias, muitos dias

Mas já não faltam muitos

Em que a lei não é o mercado

Lei será a dignidade

Lugar se dará à verticalidade

Confiança em quem confia

Em lugar da vergonha, a honra

Honra na palavra, no gesto.

 

Ergamos os valores humanos

Escondidos, temerosos

Em segundo plano

Empurrados, tolhidos

Pelo balançar duma nau desorientada

Neste mar picado

Revolto, embrutecido

Contracções bruscas das entranhas

Não permite que cérebro raciocine

Momento do salve-se de modo qualquer

Mãos soldadas a coisa qualquer

Da barcaça

Que nos mantenha

Cabeça fora de água

Olhar atónito do espumar de toda a onda

Vire breve em tempo de bonança

Leve brisa trará mudança

Corpos ensopados terão breve descanso

 

Pé em terra firme, bem firme

Regará o canteiro da emoção

Crescerá a árvore da razão

Singrará a floresta do saber e da cultura

Construiremos cabanas de amizade

Recuperemos o caminho da dignidade

 

LUMAVITO

15/02/2014

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publicado às 21:48

SEMENTEIRA

por avidarimar, em 13.04.15

Nos campos a florir

Flores   espadas a desabrochar

Erectas, reluzentes

Pétalas de gume afiado

Em riste, encaixadas em canga

Ardente e firme

Fazem golpes que sangram sonhos

A erva húmida enterrada

Agora terra arada, branda

Cortada pela folha da charrua

Fundo rasga os solos húmidos

Larva rastejante fura o naco de terra

Pássaro reinante pela bicada profunda

Indiferentes ao ruido da composição

Da junta de bois

Tractor antecipado

Com dois motores

Pelo acastanhado, pachorrentos,

Passa por mim, um ao rego, outro à arriba

Chegados ao fundo do terreno

Vira a folha, limpa o ferro

Regressam, um à arriba, outro ao rego

Rego que mal viu a luz

É já coberto à vinda.

 

Porque abre e logo fecha?

Porque vai e vem?

A terra é revolta

Sulco pra lá, outro pra cá

Olho esbugalhado, o miúdo

Só vê a magia do revoltar

E virar a terra do avesso

Lança a magia na planície ensonada

Interrompida pelo raiar do sol

Entre ramagens estaladiças

O miúdos de olhos brilhantes

Entontecido, extasiado

Tal a imagem de mudança

Mundo ao contrário, terra remexida

Virada pelo encanto de um ferro.

E se revoltasse esse lado da sua vida

Lhe lançasse umas sementes de atrevimento

Depois gradada a terra

Cresceria a alegria

O milagre da germinação

Este mundo do avesso virado

Teria outras culturas

Outros milagres

Vagem cheia, semente apodrecida.

Como seria diferente

Se eu pudesse

Lavrar o mundo todo

Regá-lo com suor dos humanos

Correr com todas as pragas

Teria o celeiro cheio

Para alimentar o mundo todo

À luz do dia

O prazer duma vida feliz

Fazer das causas amargas

Sem sabor de permeio

Um pote de doce mel

Do néctar do centeio.

 

Do pouco se faz muito

Do muito s e faz tudo

Gerando um intuito

Compor, inventar

De tudo se faz o mundo

Uma terra de tudo amar.

 

Se não amo o que crio

Quem o olhará com fervor?

Sou eu que lhe dou forma

Toco-lhe na face, imagem

Tempero-o com o meu calor

Isso para mim o torna

A leveza da folhagem

Do espírito criador.

 

LUMAVITO

6/1/2014

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publicado às 21:46

CABANAS

por avidarimar, em 13.04.15

Noites frias, longas noites,

Escuras, breu profundo,

Tempo longo, comprido, tristonho,

O escuro da melancolia, enfadonha,

A melancolia assustadora, escuro,

Sumiço de luz,

Coração sem chama, amedrontado,

Semblante carregado, empedernido,

Face medonha

Deste lado do hemisfério,

Deste lado do muro

Negro, escuro,

Onde a luz não tem efeito,

Corpo gélido, carcaça tiritante,

Chuva que trespassa a pele enrugada,

Negra, despida,

Passo esticado, sem força nem ritmo

Poça de água, guilhotina

Dos pés carcomidos pelo frio

Dentro de botas atoladas

Escorregam pelo lamaçal

Daquela terra ensopada.

 

Alma fria, ferida

Pela solidão do caminho

Pântano, charco

Que dá para o rio

Também ele, traiçoeiro pantanal,

Sem ânimo, e crença espremida,

Sigo perdido sozinho.

 

Bem ao fundo, bem longe

Onde muitos passos, pelo visco da lama

Passos lentos, sofridos

Não aproximam,

Cansam, esgotam, doem,

Motor principal, sem chama

Arrasta este resto de gente

Pouco andante

A caminho dum lugar distante.

 

Garganta condoída

Que nada clama,

Mal boceja

De fraqueza extenuante

Já não pensa, letargia,

Olhos quase apagados,

Só sonha

“Mais além,

Um banco, uma cama,

Água quente”, delírio,

Antes duche diluvial

Até aos ossos

Atinge as entranhas

O ventre, o alto e o baixo,

Também,

Soprado pela rajada de ventos,

Tirita, cambaleia,

Treme, estremece

Não há cara, nem linda nem feia

Que suporte o cansaço

Pingos grossos, disparados

Contra a tez desprotegida

Desânimo, quase desfalece,

Das tripas busca forças

Se da força se faz tripa

Se da dor se faz ânimo

Se por linha torta

Alguém caminha direito

Resistir até à última gota,

Se da gota há alguma final,

Fonte dentro do peito

Em conluio com o cerebral.

 

Passo a passo, cambaleante

Dura jornada, encharcada,

Pé vacilante pisa firme,

A porta da cabana é já ali,

Mais um esforço

Uns tantos passos

Apressados, trémulos,

Mão à frente

Busca onde se agarre,

Se aguente e ampare

O resto daquele corpo

Quase rastejante

Sorriso amarelo regelado nos lábios

Não interessa direito ou torto,

Empurra a porta, rangida,

Ergue o pé, último esforço,

A chuva já canta de fora,

Sibila o vento,

Forço, e fecho a entrada,

Essa fronteira

Que separa a intempérie,

Do aconchego dum pedaço coberto,

Apenas uma porta de madeira

Que divide o conforto

Do arrepio, granizo,

O desagrado em série.

 

Banho reconfortante

Em três tempos

Deixa outro ar, disposição

Reconquista por diante

Enrolo-me no toalhão

Passo pela cozinha

No meio da mesa

Da fruteira, uma fruta,

Duas dentadas,

Sentado no sofá

Liguei o televisor

Canal ao acaso, aguardo

As novas que já são velhas,

Os mesmos temas

“o nosso presidente, super ministro,

Nada se passa”,

“O nosso primeiro, está tudo bem”

“o vice primeiro, linha vermelha dos reformados ”

“o governo requalifica, despedindo”

“o governo recalibra as medidas”

Tudo isto em prol dos mal amados

Num grupo de fantoches desgarrados

Como comadres desavindas.

 

Lesto, num sobressalto,

Uma dor, desconforto,

Dum momento para o outro

No consolo duma cabana

Para trás ficou muita gente

Muitos homens, mulheres

Jovens e crianças

Sem caminho para o abrigo

Sem cabana do refúgio,

Entranhados nestas andanças,

De esquecidos, os sem abrigo,

Sem alguém que dê a mão,

Apanham chuva,

Impele-os o vento,

Granizo não os poupa,

Agasalhos, coisa pouca,

Comida quente, buscam em vão,

Restos nos caixotes, desperdícios.

 

De seguida, algures

Voz grossa e lesta se ergue

“não trabalham, não fazem sacrifícios

Como nós, gente honesta, laboriosa;

é natural que a vida lhes dê esta forma penosa”.

 

Mundo cão este,

Que não vê nos outros, dignidade

Oportunidade de demonstrar

Que lhes falta oportunidade

Mostrar que o vendaval

Pode virar noutro sentido,

Como os ventos,

Também muda,

E que um coração ferido

Pode ser feliz noutros tempos.

 

Depois de natal modesto

Parco de meios, não somámos outros,

Eu que me sentia

Atingido pela má sorte,

Levantava a voz em protesto

Por esta gente, verdadeiros carniceiros.

 

Olho-me com tanta mordomia

Na minha cabana

Há uma casa para banhos,

Águas quentes,

Com toalhão pessoal

Escova de dentes

Cozinha com fogão

Talheres na gaveta do meio

Toalhas e avental,

Pratos de diversos tamanhos

Tachos no armário de baixo

Sala com sofás, lareira

Coisas reais, sem imaginação.

 

Quantas pontes, viadutos

Fábricas, armazéns abandonados

Barracas de tapumes, telhados de lata

Tantos outros produtos

Desperdícios aproveitados

Para o conforto(?) de quantos?

Quantos engrossaram estas fileiras

Neste mesmo natal

Neste mesmo país

De novecentos anos, nação,

Foram atirados para a rua,

Debaixo de uma ponte

Com que cama, com que roupa

Higiene ou refeição?

 

Viro cara ao lado,

Calo este fado?

Escudando-me na cortina

Da hipócrita impotência,

Que sozinho, o mundo

Nada mudo.

Não aceito a paralisia,

Anseio erguer a voz,

Denuncio esta injustiça,

Gente de trajes formais,

Predadores bem falantes,

Conseguem chamar ao imposto “poupança”

Ao despedimento “requalificação”

Carrascos da esperança.

Não viremos a cara à adversidade

E denunciemos bem alto

Esta matança.

 

LUMAVITO

04/01/2014

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publicado às 21:28

RESISTÊNCIA

por avidarimar, em 13.04.15

Gente que não ama

Faz de ti foco seu

Gente que te chama

E pede o voto teu

Sem pudor, de tal manha

Gente que te trama

E te diz sem vergonha

O teu voto é agora meu

E é para isto que o homem sonha

Com tal frustração

A quimera floresceu

 

Aprende, abre os olhos

Confia em quem porfia

Não é sério, não é digno

Quem usa de tal mestria

Para, em seu proveito

Usar de tal cobardia

Aquilo a que tenho direito

 

Rimar é importante

Mas não é tudo na vida

Palavra com palavra, a nossa fonte

De beber essa água querida

Elixir que suplante

A dignidade ferida

 

Versos meus para mim

Fazem todo o sentido

Que mostram o orgulho ferido

Agruras dores sem fim

Qual caminho percorrido

Com chama e frenesim

 

Estranha musa esta que me assolou

Danado com estes dias sombrios

Sentimos coisas presas por fios

Ninguém ainda clamou

Que o fim destes meninos

Tinha chegado

Não chegou…

Não chega sem que metralhes

Que uma palavra não basta

Uma frase são detalhes

Uma página, pouco mais

Um livro, com força arremessado

Pode provocar pouca mossa

Nas gentes desta casta

 

Gritar com todos os pulmões

Desde então

Dois mil e doze, em Setembro

Estou a ver se me lembro

Se algum dia não pensei

Este país não seria

Mais feliz sem esta lei

Criada nas eleições

Que só tem más recordações

O meu voto não dei

Mas criámos ilusões

Que a coisa seria melhor

A crise por eles montada

Não é forçosa

Mas causa maior

 

LUMAVITO

26/11/2013

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publicado às 21:25

A IMPONÊNCIA A TROTE OU A GALOPE

por avidarimar, em 13.04.15

A IMPONÊNCIA     A TROTE OU A GALOPE

 

Cavalo  animal brioso

Pela pose            pelo olhar

Essa fatia importante

De orgulho         saber estar

Serenidade        passo a passo

Em frente,

Figura modelar

Ostenta pelo reluzente

 

Ativo     possante

Lesto animal      sumptuoso

Olhar voluptuoso            doce

Porte imponente            majestoso

Crina brilhante como se fosse

Proeza de cabeleireiro

De primeira água

Tal o aspecto de perfeição

Em cada movimento de trote

Ou em corrida   a galope

Com elegante mestria

A caminho da póvoa

Percorre vasta planície

Em viela empoeirada

Monte acima     vale abaixo,

Segue por barranco       ora por estrada

Até ao início da calçada

Em redor do estábulo

Portão franqueado

Jornada cumprida

Tarefa acabada

 

LUMAVITO

16/11/2013

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publicado às 21:18

IDEIAS E CRIAÇÃO

por avidarimar, em 13.04.15

IDEIAS             CRIAÇÃO

 

Fogem-me as palavras,

Busco forma de expressão,

Ideias que a vista firma,

Razão de viver,

Gravo da expressão que não expresso,

O olhar vadio, saltitante,

Rebusco em cada virada,

Elemento distante, diferente,

Que chame a atenção do olhar,

Olhar supersónico de condor,

Na ponta da mira da velocidade

Nos trezentos mil milhões

De unidades de movimento,

Na minha agitação singular,

De baralhar o pensamento.

 

Senti o agitar duma ideia,

Agarrei-a com luvas etéreas,

Envolvi-a numa bola de sabão,

Essa ideia que não tem expressão,

Tem vigor, leve vapor envolvente,

Manteve-se suspensa, flutuante,

Foi subindo lentamente…

Esfumou-se!

 

Grito de silencio, assombro,

Não há lugar ao espanto,

Em cada relance, nova razão,

Para outro pensamento,

Imaginação,

Por viver de suspiros,

Criação de considerações,

Misturadas com essência de emoções,

Génese de construir, aproveitar,

Agarrar em lixo,

Escória pra uns,

Matéria-prima pra outros,

Começar por desperdício,

Evoluir,

Fazendo do refugo, excedente,

Se faz obra, criação,

Do gerado se olha o entendimento,

De pra uns ser lixo,

Pra outros emoção

De criar,

A partir da imaginação.

Do movimento se colhe energia,

No estrume cresce semente,

Seiva em transporte,

Dá planta de alimentar,

Metabolismo em ebulição,

Provendo espirito inventivo,

Já que de estomago vazio

Não se cria ideia forte.

 

LUMAVITO

22/10/2013

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publicado às 21:15

MAR DE SEGREDOS

por avidarimar, em 13.04.15

Olho a lua           com longas faixas

De seda flutuante

No lençol embalado das águas

Em noite de brilho e encanto

Do balouçar da onda que sussurra

Vindo adormecer na areia reluzente

Na praia que murmura

Ardente

E diz à onda que descanse

Que eu te embalo          te afago

E amparo

Como donzela de romance

 

Ao fundo recortado       o socalco             a encosta

Em escuro contraste com o restante

Esconde os segredos da água

Que agita

Outra onda        mais outra

E ainda mais uma

Som ritmado, batido, arrebatador

Este ritual fervilhante

Ao mesmo tempo          silencioso

Parecido com embriaguez extasiante

Chega suave      deslizante

Sem espuma

À sola do pé despido

Enamorado pelo som de gemido

Do fresco líquido que o perfuma

 

Este fervilhar do silêncio

Não contempla o silvo do comboio

O trovejar do avião

Os carros nas avenidas

Cravadas de gente, poluídas,

O badalar do sino da igreja,

Nem sequer, de gente que se veja,

Por paragens onde

Não tem lugar a confusão

 

Lá longe, no meio do crepúsculo

Uma luz balança, tonta feita

De tanto dançar

Ao sabor do ondulado das águas

Pululando

Apoiada numa barcaça

Que por ali dança

E descansa

Assistindo à azáfama

Do vagabundo pescador

Do peixe tentando colheita

Solitário, atento, astuto

Que bem sabe

Onde o pescado deverá aparecer

E não acontece, ele não morde

Não pica

E ele      por ali fica

Até que outro peixe se entregue

Ao sustento de quem tanto persiste

 

Olho ao largo     resplandecente

O mar, não se cala

E no meio de tanto silêncio

O meu pensar explana, corre, percorre

Furando entre ondas, embala

O prazer da vastidão

O sabor intenso

Da brisa a entrar suave

Pela narina,

A olhar o imenso, que se espraia

No meio desta clara escuridão

Que combina

Com este lado, a magia da praia

 

Esvoaçante brisa, finamente brisa

Brisa do mar

Suaves sopros por entre ramagem

Entre as dunas, molengonas

Acompanham o meu olhar

Sorriem com o meu sorrir

Contemplam juntos, o imenso

O imenso mar, mar sussurrante

Como as minhas ideias

Também elas errantes

Tal a grandeza

De planos, horizontes

Profundezas, instantes

Vagueia o brilho nos olhos

Não há vales, não há montes

Há uma imensa vastidão

De sinais, gestos, mensagens

Vindos de longínquas paragens

Chegam frescas, na crista das ondas

Como se fossem escritos

De quem quer anunciar

Que este mar que nos separa

Também nos une,

Traz novas de esperança

Confiar que é possível

Dar as mãos, por entre as ondas

Estender os braços

Apertar abraços

Fraternos, quentes

Falar a mesma língua     a expressão do mar

Murmúrio, ouvir o sussurrar

Do refluxo

Balbuciar sons diferentes

Das palavras dos humanos

Para eles, enigmáticos

Esta linguagem dos oceanos

 

Não me apetece primar

Dá-me vontade de espraiar

O pensar             reflexão

Por cima e por dentro

Da espuma da crista

No balouçar das ondas

Circular ao sabor dos movimentos

Redondos, estonteantes

Indo ao fundo e voltar

Cabeça de fora, respirar

Fitar em redor

Captar o tão imponente panorama

Por tão inebriante libertação

Leves pensamentos

Ligeiros e lentos

 

Fico horas, ocupo dias

Passo o tempo a esquecer

Esqueço a espuma da vida urbana

Fico até não me lembrar

Que tenho coisas a fazer

Por obrigação

Neste mundo tão louco

Sem prazer

O deleite que aqui nutro

De falar com o mar

E ele me dizer

Este mundo, de natural tem pouco

Absurdo, insensato

De morrer

E mata, e vai matando

Sem avisar

Tal a pressa arrepiante

Com que se tem que viver

Neste mundo galopante

Ir depressa, e voltar

Logo de seguida              Perecer

 

Apetece-me parar a vida

Fundo, respirar

Fechar os olhos

Sonhando, contemplar

Se há coisa que compensa

Suspender o tempo, a pressa

Descontraído, natural

Deste lado          nesta margem

Do mar

 

A existência não para

Mas saboreá-la podemos

Deixem, ao menos

Sorver cada gota de orvalho

À medida que o tempo passa

E se chega a aurora

O raiar do outro foco de luz

Essa luz que traz o dia

Essa estrela pregada

No outro mar de cima

Por cima do horizonte

Vai fazendo jus                A este silêncio de ouro

E volto à rota empoeirada

E ao caminho de alcatrão

Que me reboca

Desatinado, ao betão

Sentido contrário

Ao meu desejo

Sem que tenha o ensejo

De ficar por cá

Sem que saia da boca

Desabafo

Clamor de um até já

 

Quero ir e cumprir

O que me é exigido

Como ser, elemento social

Imperativo do labor

E logo que cumprido

Voltar

Ainda ao longe, escutar

E ouvir as novas do mar

Meu amigo, companheiro

Compincha e conselheiro,

Voltar a navegar

No teu silêncio

No teu bruar

Sentir a fresquidão, saborear

Em cada braçada, mar adentro

Mais ninguém por perto

Que assista à nossa conversa

Ir à frente, flutuar

Mais mergulho ao fundo

E voltar, sem pressa

Nem pressão

Encetar nova conversa

Com o amigo

O mar!

 

LUMAVITO

12/08/2013

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publicado às 00:08


Pretendo abordar diversos temas da vida de um país, em claro desespero de sintonia entre governados e governantes. A forma pretende ser a poesia, com mais preocupação pelo conteúdo da mensagem que pela forma de estilo.

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